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A receita infalível do Novo Progresso

Por Marcos Sá Corrêa
Atualização:

Se não fosse tão avesso a trombetear seus formidáveis méritos, o governo Lula poderia dizer que o Brasil vai a pleno vapor. Fumaça, pelo menos, não falta. As últimas notícias sobre queimadas juntaram na mesma semana exemplos da Floresta Nacional do Jamanxin, no Pará, e de São José dos Ausentes, no Rio Grande do Sul. Entre as matas paraenses e os cânions gaúchos vão uns 3.600 quilômetros. Mas, no Sul, a engenheira agrônoma Maria Tereza Pádua resolveu mostrar as maravilhas do País a uma norueguesa e um peruano. De Florianópolis, foram de carro pelo caminho de Urubici ao Cachoeirão dos Rodrigues. Nessa matéria, uma escolha feita por ela é para se levar a sério. Como presidente do Ibama, foi a melhor madrinha que já tiveram os parques nacionais e outras unidades de conservação. Mas dessa vez ela estranhou o cenário: "Só o que vimos, especialmente no lado do Rio Grande do Sul, foram incêndios e muita fumaça. Poder-se-ia pensar que agora é época de se queimar os pastos, pois é mesmo, mas o trágico foi que também se queimavam araucárias, a tal ponto que ficamos apreensivos de continuar, pois em alguns locais o fogo atravessava a estrada." Não se deu por vencida. "Mesmo com toda a feiura provocada pelos incêndios, tínhamos de mostrar aos nossos visitantes os monumentos mais belos da região." Levou os turistas ao "cânion do Monte Negro, que é um espetáculo". E o encontrou tapado. "Havia fumaça por todos os lados que se olhava. E, mesmo no acesso ao cânion, tudo estava torrado." Os olhos de Maria Tereza arderam tanto que ela chorou. Mas nem por isso se deixou cegar como o senador paraense Flexa Ribeiro, que mais ou menos na mesma ocasião foi à tribuna, em Brasília, para louvar os posseiros que andam derrubando a Floresta Nacional do Jamanxin, área protegida desde 2006. Entrou no pacote ecológico dos 2,8 milhões de hectares que o governo transformou em reserva, para fingir que vacinava a Amazônia contra o contágio do asfalto na BR-163. A partir desse belo gesto de conservação ambiental, a floresta do Jamanxim já perdeu 150 mil hectares. Quase um parque nacional como o do Iguaçu. Só nos últimos dias foram detectados lá 624 focos de incêndio. A fumaça é tanta que os helicópteros da fiscalização nem puderam sobrevoar as queimadas para avaliá-las, conta a repórter Andréia Fanzeres. E mal se respira no núcleo de desmatamento chamado Novo Progresso - cujo nome é mais uma generosa oferta da civilização brasileira à antologia internacional do humor involuntário. Diante dessas evidências, o que viu o senador Flexa Ribeiro? Viu "quase mil famílias atingidas pela Floresta Nacional do Jamanxim". Dito assim, parece que estavam ali em seu canto, quando veio a floresta e - nhoc! - as engoliu por decreto. Mas Flexa Ribeiro tem a solução na ponta da língua. Trata-se de "um povo ordeiro", que "tem atitude de conservação", e está pronto a "não fazer mais abertura de floresta", desde que possa "continuar suas atividades". Não é uma obra-prima da política de conciliação? * É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

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