Cinco mitos do envelhecimento – e suas respectivas verdades

Pesquisadores enumeram vantagens de uma população idosa e refutam hipóteses de que seremos um bando de velhos sem aposentadoria e acesso à saúde num mundo cada vez mais pobre

PUBLICIDADE

Por Gabriela Carelli
Atualização:

Como disse o filósofo francês Luc Ferry, a sociedade contemporânea sofre de “transtorno de ansiedade generalizada”. Qualquer nova ameaça - terrorismo, mudança climática, super bactéria - é capaz de despertar uma neurose global, ainda mais em tempos como o nosso, de hiper conectividade e um sem-fim de informações. Um dos motes da vez é o envelhecimento populacional. Para os catastrofistas de plantão, em breve seremos um bando de velhos doentes, imprestáveis, sem previdência e plano de saúde - um fardo para os nossos filhos e netos. 

PUBLICIDADE

Mas há quem pense diferente. Assim como o aquecimento global, o envelhecimento também tem seus céticos, um grupo formado por profissionais respeitados, de diversas especialidades, com perspectivas menos pessimistas em relação ao futuro. O clube da discórdia, que tem entre seus membros gente da estirpe de David Bloom, economista de Harvard, acredita que o cenário sombrio descrito por muitos é resultado de uma análise mal feita. As projeções negativas não teriam levado em conta alguns dados demográficos, econômicos e relativos à saúde de extrema relevância. Tampouco teriam dado a devida importância às transformações sociais e tecnológicas já em curso e que estão por vir. 

Um estudo recente feito pelo IIASA (International Institute for Applied Systems Analysis), em parceria com a Universidade de Washington e o Instituto Max Planck corrobora a tese dos negacionistas. O trabalho analisou todos os índices sócio-econômicos da Alemanha de forma detalhada e identificou possíveis benefícios de uma sociedade mais velha em questões como produtividade, crescimento econômico, saúde e ambiente. Segundo os pesquisadores, a Alemanha foi selecionada por ser o segundo país do mundo com a maior população idosa, atrás do Japão, e os resultados são aplicáveis para todos os países em processo de envelhecimento.

 Foto: Moyan Brenn / Creative Commons

A seguir, os cinco mitos do envelhecimento identificados por eles e suas respectivas verdades:

Mito 1. A produtividade vai diminuir e a economia dos países vai desacelerar por causa dos idosos

Em todo o mundo, as pessoas estão vivendo mais e tendo menos filhos. Isso implicaria na diminuição da força de trabalho e, consequentemente, na queda da produtividade e num baixodesempenho econômico das nações. Certo? Talvez. Os céticos afirmam que duas variáveis não foram levadas em consideração. A primeira é o aumento no número de pessoas com mais de 60 anos, saudáveis e bem dispostas, que continuam na ativa - a maioria porque quer. Trata-se de uma tendência mundial. Nos Estados Unidos, por exemplo, 27% dos trabalhadores tinham entre 65 e 74 anos em 2012, ante 12% em 1992. De acordo com estatísticas do governo americano, o número vai aumentar: serão 32% em 2022. A segunda: a participação das mulheres no mercado de trabalho, que tende crescer ainda mais com a queda nas taxas de fecundidade.

Mito 2. Estamos fadados a passar boa parte da velhice doentes e com limitações físicas e mentais 

Publicidade

Vivemos cada vez melhor os anos a mais de vida graças aos avanços da ciência e da medicina. E tudo indica que adiaremos ainda mais o surgimento de doenças crônicas e de limitações se as inovações e as melhorias nos diagnósticos e tratamentos médicos continuarem a melhorar no ritmo atual. Segundo o estudo de IIASA, nos dias atuais, a maioria dos homens passa 63% de toda a sua vida gozando de boa saúde, sem doenças sérias, demência ou perda de autonomia. Em 2050, passará 80%. As mulheres viverão com boa saúde durante 70% de sua vida ante os 60% atuais.

Mito 3. Filhos e netos terão de arcar com as despesas de pais e avós em aposentadoria e planos de saúde

Com o aumento da expectativa de vida, as pessoas deverão receber heranças de seus familiares numa idade mais avançada, e não na meia idade, como acontece atualmente. Segundo os pesquisadores, isso permitirá que tais recursos, geralmente usados para compra de imóveis e educação dos filhos pelos herdeiros, que hoje recebem os bens na meia idade, sejam aproveitados para como fonte de renda, caso as previdências realmente quebrem, e com tratamentos de saúde. A queda na fertilidade também pode engordar a poupança dos velhinhos. Quanto menos gente para dividir os bens, mais dinheiro.

Mito 4. Habitaremos um planeta mais sujo e poluído

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A poluição deve diminuir por causa do envelhecimento populacional. A pegada ecológica de um idoso é bem mais suave de que a de jovens e adultos. Depois de certa idade, as pessoas costumam se deslocar menos, seja em viagens ou no trabalho, e a consumir menos, diminuindo o impacto ambiental individual. Até 2020, as emissões de dióxido de carbono nos países desenvolvidos devem cair 20% por causa do aumento no número de pessoas com mais de 80 anos. Na Alemanha, o segundo país com a maior população idosa do planeta, atrás do Japão, o total de CO2 no ar pode atingir níveis equiparáveis aos de 1950 neste século.

Mito 5. Demografia é destino – por isso não há como escapar das mazelas do envelhecimento populacional 

Sem querer desdenhar do tamanho do problema que teremos pela frente - estima-se em 1,5 bilhão o número de pensionistas no mundo em 2050 - o fato é que a humanidade sabe se reinventar, quando necessário. É enorme a capacidade do homem de se adaptar e superar desafios. Quem não se lembra da bomba populacional descrita por Paul Ehrlich, em 1968? Segundo o demógrafo, o aumento da população mundial, somado aos danos ambientais, provocaria escassez de alimentos, miséria e fome em todo o planeta. A população mundial dobrou nas décadas seguintes à previsão, mas a evolução de técnicas agrícolas, como a irrigação e o uso dos fertilizantes, possibilitou a chamada Revolução Verde. Hoje há alimentos de sobra no mundo. Em média, as pessoas ingerem 24% mais calorias do há quatro décadas.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.