Vaga de moradia anunciada no Facebook é acusada de configurar escravidão

Entenda o que diz a legislação trabalhista sobre o anúncio, que pede para que mulher cuide de criança em troca de residência

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Por Hyndara Freitas
Atualização:
Anúncio de moradia compartilhada em troca de serviços domésticos causou revolta nas redes sociais. Foto: Reprodução de postagem no Facebook

No último fim de semana, a designer paulista Patrícia Malizia viu seu Facebook ser inundado de comentários e mensagens, após ter publicado um anúncio de "moradia compartilhada", pedindo, em troca, que a pessoa cuidasse de seu filho.

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O anúncio começa com a frase "quer morar num apartamento descolado sem pagar nada?", e o texto continua dizendo que é uma "ótima oportunidade para estudante ou para quem busca uma nova oportunidade de viver em São Paulo". Em troca, Patrícia pede que a interessada cuide de Théo, de sete anos, no período da manhã.

"Gostar de criança, saber cozinhar e manter a casa organizada. Você terá que dar almoço e colocá-lo no transporte escolar. Troca feita", finaliza o anúncio. Em poucas horas, a publicação foi compartilhada em diversas páginas feministas e foi inundada de críticas. Nos comentários, centenas de pessoas acusam Patrícia de oferecer trabalho análogo à escravidão.

Após denúncias de usuários, o Facebook excluiu o perfil de Patrícia. Em entrevista ao E+, a designer, que é mãe solteira, se defendeu: "A única escrava aqui sou eu. Para mim, tudo isso é feito por pessoas desocupadas, que não pensam que existe uma pessoa do outro lado, no caso, uma mãe precisando de ajuda. Eu não tenho condições financeiras de contratar uma babá [em contrato] CLT, com férias, 13º, meu orçamento não comporta isso. Eu preciso de ajuda, então foi uma alternativa que encontrei", explicou.

Patrícia disse que teve ideia de receber ajuda e, ao mesmo tempo, ajudar outras mães. "Eu pensei: por que não encontrar uma mãe que também tenha dificuldades em pagar aluguel, para dividir um apartamento? A pessoa não vai fazer faxina, não vai lavar banheiro da minha casa. Ninguém questiona a história do Théo, uma criança que vai ficar sozinha dentro de casa, e aí eu vou ser denunciada no Conselho Tutelar. Ninguém está preocupado com isso, fica todo mundo polemizando, e tem uma mãe que precisa trabalhar e precisa de ajuda. Teve gente que me denunciou no Ministério Publico por escravidão, o MP tem tanta coisa mais importante para fazer. Eu sou só uma mãe solteira pedindo ajuda para cuidar do meu pequeno", completou a designer.

De acordo com a advogada trabalhista Maria Lucia Benhame, o anúncio não condiz com a Lei Trabalhista que regulamenta funcionários domésticos: "O erro mais grave: não é uma troca, ela está contratando um serviço, e esse serviço deve ser pago. A lei não permite o pagamento total em utilidades, parte do valor deve ser em dinheiro sempre. E mais: o empregado deve ser registrado e o valor do salário utilidade, no caso moradia e alimentação, devem ser computados para encargos de INSS e FGTS, bem como reflexo em 13º e férias".

A especialista ainda explica que funcionários domésticos devem receber pelo menos um salário mínimo, além de vale transporte e outros direitos previstos na legislação trabalhista, e que o anúncio realmente "caracteriza situação análoga à escravidão, pois faz troca de moradia e alimentação por trabalho".

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Mesmo com as críticas e a exclusão de seu perfil no Facebook, Patrícia garante que a proposta continua valendo e que já tem várias candidatas. "Tenho recebido mensagens de muitas pessoas interessadas na oferta. Já estou entrevistando algumas, pedindo documentos de mães que eu me identifiquei, agora estou fazendo uma consulta com um advogado trabalhista para que a gente não tenha problemas. Tem muita mãe precisando, que está na mesma situação que eu, pessoas que não estão dando conta de pagar o aluguel, então é uma oportunidade bacana", justifica.

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