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Tarefa de tornar crianças mais tolerantes deve começar com os pais

Para maior abertura à diversidade, especialistas avaliam a importância do diálogo e de não proteger demais os filhos

Por Matheus Riga
Atualização:
Segundo especialistas, para tornar um filho mais aberto à diversidade, os pais devem se analisar e ponderar seus comportamentos antes Foto: Peter Foley/Reuters

Sete em cada dez brasileiros afirmaram, em pesquisa do Ibope, já ter feito algum tipo de comentário machista, homofóbico ou racista. No Ministério de Direitos Humanos do governo federal, o número médio diário de denúncias - de janeiro a junho deste ano - chega a 1.171, um aumento de 10% ante o ano passado.

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Dentro desse cenário, a dúvida fica sobre aqueles que irão fazer a mudança: como instruir as crianças para serem mais abertas à diversidade? Para especialistas entrevistados pelo Estado, não há uma fórmula definida para gerar pessoas mais tolerantes, mas grande parte da tarefa deve começar com os pais, que devem se avaliar e perceber seus comportamentos e opiniões preconceituosas.

A psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), Marcela Ouro Preto, por exemplo, diz que ter atenção às próprias atitudes é muito importante, já que os filhos enxergam os pais como modelos a serem seguidos. “A criança não nasce com referências dentro dela, ela vai observando as pessoas a seu redor, principalmente aqueles que vê dentro de casa”. Na mesma linha de pensamento, o antropólogo e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Claudio Bertolli, diz que é necessário os adultos se questionarem sobre como podem se tornar seres humanos melhores e quais preconceitos eles têm enraizados.

Por serem referência para os filhos, os pais também têm a importante tarefa de se desprenderem daquilo que aprenderam como certo ou errado durante sua formação. “Os adultos dessa geração de pais foram educados numa cultura extremamente enclausurada, de fechamento, que busca só o sucesso individual”, avalia a psicanalista e doutoranda em psicologia na Universidade de São Paulo (USP), Adriana Marinho. Deixar esse pretexto egocêntrico para trás é mostrar aos filhos, segundo ela, que existem outras pessoas com quem se pode conectar fora da esfera pessoal.

Fazer o filho enxergar e compreender a existência do outro - e que ele pode ter opiniões diferentes -  deve ser um trabalho constante dos adultos. Para isso, o aconselhado é que os pais não só parem de se apegar às verdades que lhes foram ensinadas, mas também percam o medo de que suas crianças tenham sofrimentos na vida. “As frustrações são parte da nossa formação, elas nos permitem entender que nem tudo pode ser satisfeito a todo momento e que cada um tem suas limitações pessoais”, afirma Adriana. “É nisso que a criança percebe a presença do outro”.

Diálogo. Sentar e falar com o filho é o melhor caminho para provocar mudanças e abrir a cabeça. “Conversar é o exercício do pensar, é assim que você mostra para os seus filhos diferentes ângulos e que cada um tem uma opinião diferente”, afirma Marcela. Segundo ela, quanto maior for o interesse e a presença dos pais, melhor será a relação entre os dois lados, já que conforme as situações conflituosas forem aparecendo, os adultos poderão mostrar os outros lados de cada história.

Durante o processo, momentos difíceis não faltarão para que os pais mostrem que as opiniões diversas podem agregar. Para Bortelli, da Unesp, a sociedade está marcada pelo politicamente correto, que rejeita qualquer atividade discriminatória, mas o que se observa é o distanciamento entre os discursos e a prática deles. Na opinião do antropólogo, isso acontece principalmente com as crianças, que são taxadas de 'inocentes' por serem pequenas. “Nossa cultura se silencia aos preconceitos, principalmente quando tem como sujeitos as crianças”, afirma.

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O diálogo, segundo os especialistas, mostra à família que não existem verdades absolutas e que alguns valores podem ser questionados e mudados. “É importante as pessoas conversem entre si e entendam profundamente sobre os pensamentos e comportamentos de cada um”, conta Bortelli. “Só assim que é possível valorizar a orientação, religião, a cor da pele do outro e perceber que ele é um ser humano tão digno quanto você”.

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