Práticas de igualdade de gênero ampliam possibilidades na infância e no futuro

'Misturar é ampliar as possibilidades de ser e reflete na maneira como a sociedade vai se organizar', diz especialista

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Por Ludimila Honorato
Atualização:
Restringir as possibilidades e a oferta de brinquedos pelo gênerolimita a possibilidade de sonhar da criança. Foto: Pixabay

Um estudo feito na Suécia mostrou que crianças educadas com uma pedagogia neutra em termos de gênero na escola tendem a atribuir menos estereótipos do que é ser menina ou menino. Porém, como a escola é apenas um dos espaços sociais em que elas vivem e convivem, família, vizinhos e outros hábitos podem contribuir para a perpetuação dos estereótipos de gênero.

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Pensando em minimizar esses efeitos, a profissional de marketing digital Natalia Moreira Pavernero, de 32 anos, explica para as filhas, de 9 e 10 anos, que essas diferenças não existem. Qualquer assunto que surge relacionado a gênero, a mãe trata com naturalidade.

"As crianças não são complicadas como a gente. Se você dá uma resposta simples, elas vão aceitar e não vão ficar questionando", diz Natalia. Ela conta que, certa vez, as filhas viram duas mulheres se beijando. A sogra dela, que acompanhava as meninas, não soube como reagir diante da pergunta 'mas pode?' e disse que não podia.

Mais tarde, Natalia conversou sobre o ocorrido. "Como você explica um homem e uma mulher se beijando? 'É normal'. Então, também é normal dois homens ou duas mulheres se beijando, porque é afeto, é carinho", relata.

Uma das filhas dela gosta de jogar futebol e já ouviu que o esporte é de menino. "A reação foi a que eu esperava, ela disse que não existe essa diferença", diz Natalia. "Minha parte na educação das minhas filhas é prepará-las para o mundo para que possam conviver coletivamente. A melhor forma de combater o preconceito que vemos no mundo é mostrar o inverso para as crianças", afirma.

Não falar no presente pode comprometer o futuro. Eleutéria Amora da Silva, coordenadora geral da Casa da Mulher Trabalhadora, considera que educar crianças sem estereótipos de gênero é positivo, porque evita problemas futuros. "Parte da violência contra a mulher está na educação que as pessoas tiveram. Se os meninos não aprendem a lidar com a diferença, como vão respeitar a mulher lá na frente? Eles a veem como um gênero estranho", avalia.

Definir, ainda na infância, como meninos e meninas deveriam se comportar traz consequências para os dois lados. "Os meninos são constituídos como homens fortes e que não podem chorar. Assim, eles podem expressar algum nível de violência para se firmar como homem", aponta Eleutéria.

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"Para as meninas, o papel de mãe e de dona de casa pode fazer pensar que o casamento é a única saída. Isso implica em relações em que um gênero tem domínio sobre o outro", diz a coordenadora.

Brincar é projetar o futuro. Em sua pesquisa de pós-graduação, que virou livro, Marília Lamas, especialista em Sociologia Política e Cultura, quis saber de onde vem a lenda de que bonecas são para meninas e carrinhos são para meninos.

Em entrevista com mães e pais, ela notou que nem eles sabem a resposta. "Eles pensam que são os instintos de meninos e meninas que orientam, mas a antropologia diz que isso é cultural", explica. "A criança nasce podendo brincar com qualquer coisa", reforça.

Marília fala que brincar, além de fazer de conta, é uma forma de projetar o futuro. Enquanto os meninos ganham bola, trator e são estimulados a desbravar, se aventurar e serem fortes, as meninas ficam com um universo restrito do trabalho doméstico ao ganhar bonecas e miniaturas de utensílios da casa.

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"Misturar é ampliar as possibilidades de ser e reflete na maneira como a sociedade vai se organizar. Se você limita as possibilidades e a oferta de brinquedos pelo gênero, limita a possibilidade de sonhar da criança", diz a especialista.

Além do fator cultural, a especialista percebe uma questão de capital. "Se a gente tem uma sociedade que cresceu com a cultura de que meninas usam rosa e é isso que vende, e os pais não estão dispostos a investir em algo diferente, dificilmente uma marca vai fazer propaganda de um menino usando rosa", avalia.

Alguns especialistas defendem o movimento da moda sem gênero, que é importante para a formação de uma geração mais livre, menos machista e sem preconceitos.

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Segundo Marília, as lojas não vão fazer diferente, porque isso resultaria em queda de vendas, mesmo que a prática signifique reproduzir estereótipos. "Embora os discursos estejam chegando às marcas - que é um sinal claro de que o mundo está mudando -, a publicidade não quer perder", diz.

Como os adultos têm forte influência sobre como as crianças veem e sentem o mundo, a especialista orienta: "O que se pode fazer é não censurar, deixar as crianças livres para escolher e estimular a diversidade na brincadeira".

Escola. No ambiente escolar, discutir e trabalhar a questão de gênero é uma perspectiva interessante, segundo Sílvia Ribeiro, doutoranda em Psicologia Social pela PUC-SP. "É preciso combater os estereótipos de gênero, e a gente depende do professor para falar disso. O mais importante é discutir, porque não tem como negar", afirma.

Veja nesta reportagem como crianças que são educadas com uma pedagogia neutra em termos de gênero são menos influenciadas pelos conceitos pré-estabelecidos do que seria de menino e de menina.

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