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Por que o seu filho pequeno não está pagando suas contas?

A norte-americana Katie Stauffer pôde largar seu emprego depois de as filhas de 2 anos começarem a fazer sucesso com vídeos no Instagram; conheça influenciadores mirins

Por Katherine Rosman
Atualização:
Katie Stauffer com as gêmeas de dois anos de idade, Emma e Mila Foto: Deanna Alejandra Dent/The New York Times

Mila e Emma Stauffer, gêmeas de dois anos de idade que vivem com os pais e três irmãos perto da cidade de Phoenix, nos Estados Unidos, estavam sentadas no chão, conversando sobre o que poderiam ser quando adultas. "Talvez professora?", perguntou Emma. "Emma, você odeia crianças!", disse Mila. "Que tal médica?", sugeriu Emma. "Emma, você odeia sangue", a irmã avisou. "Ah, verdade, eu odeio sangue", respondeu Emma. 

O vídeo da conversa foi filmado pela irmã de 14 anos das duas, Kaitlin, há alguns meses. Ele foi publicado originalmente no Instagram da mãe delas e, desde então, foi visualizado mais de 4,4 milhões de vezes. 

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Mila e Emma são duas estrelas em ascensão de uma nova classe de celebridades das redes sociais: crianças pequenas que aparecem em vídeos virais. Em vários dos mais populares, esses pequenos inexperientes participam de conversas adultas, surpreendentemente, levando-se em conta suas vozes de bebê. Os vídeos podem ser incrivelmente populares. E os anunciantes perceberam.

Mila e Emma já fizeram publicidade para Amazon, Nest, Dollar Rental Car, Macy's e Walmart, entre outras empresas. Em outubro, elas irão a Nova York para gravar paródias de filmes, incluindo As Patricinhas de Beverly Hills e Meninas Malvadas para a Harper's Bazaar.

"É bem lucrativo", disse Katie Stauffer, a mãe das garotas. "Mas eu gostaria que as pessoas soubessem que agora esse é o meu trabalho."

Ela não quis detalhar exatamente quanto dinheiro as crianças estão trazendo, mas disse que recentemente pôde deixar seu trabalho como oficial de custódia depois de 12 anos no cargo, para o alívio dela e do marido, que é médico. Com o trabalho fora de casa, "meus filhos não estavam recebendo tudo que precisavam", ela disse.

Ainda assim, Stauffer constantemente recebe críticas nos comentários do Instagram, nos quais as pessoas frequentemente citam as comidas que ela deixa seus filhos consumirem e as marcas das quais ela recebe dinheiro. Depois de uma publicação patrocinada para uma marca de frango, "nós recebemos muitas críticas", afirmou.

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E o talento pode ser difícil. Emma não ama fazer vídeos, e Mila quer fazê-los só quando ela quer. Stauffer parou de negociar com empresas que insistem em colocar prazos. "Você não pode obrigar crianças de dois anos a fazer qualquer coisa", disse a mãe.

Kaitlin Stauffer, de 14 anos, brinca com as irmãs pequenasem casa Foto: Deanna Alejandra Dent/The New York Times

Em vez disso, ela faz ensaios fotográficos várias vezes por semana, nos quais as garotas ficam relaxadas e fazem atividades infantis: criam bolos de princesa, arrastam bonecas vestidas como elas, ou ficam sentadas em carrinhos "brincando de sério", na frente da majestosa casa de porta vermelha da família.

As fotos são postadas para os mais de 2,2 milhões de seguidores de Stauffer. Recentemente, um de seus vídeos ganhou um repost bastante cobiçado: de Kris Jenner, talvez a maior autoridade em criar a marca das filhas. "#EstouApaixonada", escreveu Jenner.

Kaitlin geralmente treina as meninas para as frases mais sofisticadas. Em um vídeo recente, Mila fala sobre um encontro com seu amigo Sawyer que foi muito mal e entediante, pois ele prestava mais atenção na sua liga de futebol do que nela.

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"Fantasy football?", disse Mila, levantando o braço no estilo "fale com a minha mão". "Tão básico".

Ross Smith, uma estrela das redes sociais com 25 anos de idade (ele tem 4 milhões de seguidores no Facebook, 1,5 milhão no Instagram e alcança aproximadamente um milhão de visualizações com um post comum no Snapchat), já colaborou com diversas crianças.

"As crianças são as novas influenciadoras digitais", disse. Ele não tem filhos, mas entende o instinto de aproveitar as ofertas do mundo corporativo quando elas surgem. "As crianças crescem e ficam menos relevantes. A idade ideal é entre dois e quatro anos", depois dos quais, disse Smith, "elas já não são tão fofas."

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Smith mora em Columbus, Ohio, e é conhecido principalmente pelos vídeos que ele grava com sua "Vovó" (cujo nome ele não revela) de 91 anos. Eles já trabalharam com Mila, em um vídeo no qual Vovó dá conselhos amorosos para ela. A publicação é de setembro e já foi vista mais de 31 milhões de vezes na página do Facebook de Smith.

Ele também se uniu a Korbin Jackson, um menino de três anos de idade, da cidade de Dothan, que é conhecido princpalmente por seus vídeos de truques de futebol e pingue-pongue. 

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No vídeo, Korbin e a Vovó (cuja camiseta dizia "Recém-saída do lar de idosos") disputam uma batalha de truques. Ele já foi visto mais de 18 milhões de vezes na página de Smith no Facebook. Para filmá-lo, Smith pagou as passagens de voo de Korbin e dos pais dele até Ohio. Ao chegar na casa de Smith, o garotinho precisou tirar uma soneca, então a produção precisou esperar por aproximadamente uma hora.

"É difícil trabalhar com crianças, mas é divertido", disse Smith.

Korbin começou nas redes sociais depois de seus pais criarem perfis para compartilhar fotos e vídeos dele com a família e amigos. O pai, um ex-jogador profissional de arena football com seu próprio grande número de seguidores nas redes sociais, começou a postar vídeos do exuberante garotinho de óculos fazendo truques de esportes.

Dez vídeos de Korbin foram veiculados na ESPN, e ele foi entrevistado por canais de notícias do Japão e da Romênia. O feed dele no Instagram tem quase 65 mil seguidores.

O garoto nasceu com uma deficiência e passou dois anos e meio fazendo fisioterapia. "Ele encontra muita alegria e felicidade na vida, e somos muito orgulhosos em compartilhar sua boa energia", disse a mãe dele, Stephanie Jackson.

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Ela afirmou que, quando Korbin chega na escola com o pai, as crianças mais velhas se reúnem em volta dele e pedem para tirar selfies com a celebridade local. "Quando o Korbin chegar ao ensino médio, sua rede de seguidores será enorme", disse ela. "Esse Instagram o deixou pronto para a grandiosidade."

Korbin recebe diversos produtos de graça pelo correio, e seus pais costumam identificar as marcas nos posts. Sem ser solicitada, disse Stephanie, a GoPro enviou aproximadamente US$ 2 mil (mais de R$ 6 mil) em equipamentos de vídeo. Diversas empresas de roupas esportivas enviam pacotes. O feed de Korbin também faz propaganda da Under Armour. "Eles enviam caixas uma vez por mês", revelou a mãe. "Não é um acordo em papel, não é um contrato, eles se inspiram nele."

Ciente da existência de predadores online, ela tenta limitar o número de pessoas que sabem o endereço da casa da família. "Nós recebemos emails esquisitos, sim, e mensagens tipo 'Nós vamos conhecê-lo, não importa o que você diga'", relata.

Em maio, um vídeo dele apagando uma vela no bolo de aniversário chutando uma bola que bate e apaga o fogo viralizou. Os pais do garoto venderam os direitos para a Junkin Media e o levaram para o banco para abrir uma conta em seu nome, na qual o pagamento advindo do vídeo seria depositado. Ele conseguiu aproximadamente US$ 5 mil (quase R$ 16 mil). "Esse dinheiro é do Korbin, não nosso", disse a mãe.

Nos Estados Unidos, não são claras as leis que regulam os direitos das crianças sobre dinheiro ganho pelos pais usando as imagens deles nas redes sociais, de acordo com advogados. Na Califórnia, a chamada Coogan Law — nomeada em relação à estrela mirim Jackie Coogan, que trabalhou com Charlie Chaplin em O Garoto — determina que parte do dinheiro recebido por atores mirins seja colocado em um fundo para a criança.

Mas a lei foi escrita em relação a crianças empregadas ou em contratos com terceiros. Quando os pais são pagos pelas marcas para postar fotos e vídeos de seus filhos nas redes sociais, ou ganham dinheiro com anúncios no YouTube, deve-se algo às crianças? "São águas desconhecidas",  afirma Anthony Amendola, sócio do escritório de advocacia Mitchell Silberberg & Knupp, em Los Angeles.

Há muitos pais ansiosos para pular nessa. Destiny Bennett e o marido, Devonte, se mudaram para Los Angeles no início do ano e decidiram que atuar seria uma boa carreira para o filho, Caidyn, de quatro anos.

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Mas quando ele não recebeu retorno que os pais esperavam após os testes, eles decidiram publicizar os talentos do garoto com vídeos postados no Instagram e no YouTube. "Nós dissemos para ele: 'Nós podemos fazer nossos próprios testes, e você pode falar sobre o que quiser."

Neste ano, eles postaram um vídeo no qual Caidyn reclama sobre a forma como as pessoas tocam em seus dreads sem sua permissão. "Eu odeio quando estou com a minha mamãe e as pessoas dizem: 'São tranças?' e é tipo 'Não, Susan, são dreads'", diz Caidyn. "Mas a mamãe diz que eu preciso ser educado."

O vídeo foi um sucesso, levantando a hashtag #NãoSusan e trazendo um total de 15 mil seguidores ao perfil pessoal do garoto no Instagram. Os pais dele já foram contatados em relação a possíveis patrocínios de marcas. 

Destiny afirma que Caidyn ainda não tem certeza se vai continuar a focar em fazer vídeos virais ou na linha de roupas que ele diz estar preparando com o irmão de um ano de idade. 

"Nós somos uma família de empreendedores", disse a mãe. 

Josh Gaines, conhecido nas redes como Josh Darnit, usou anteriormente a platadorma de vídeos de seis segundos Vine, que foi apresentada no Twitter em 2013, para postar vídeos dos filhos, com mais sucesso de seu filho mais novo, Evan, batendo no pai. Fazer vines era fácil, segundo ele, e era possível adaptá-los para o YouTube para gerar renda além dos patrocínios.

Quando o Vine acabou em 2016, Gaines transferiu o foco para o Facebook, o YouTube e o Instagram. Esses vídeos requerem mais recursos de produção. Evan, agora com sete anos, ficou entediado. "O que eu não gosto é que eles demoram muito tempo para fazer, e às vezes o pai me diz para falar palavras difíceis, tipo subscribe (inscreva-se, em inglês)", disse o garoto.

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Felizmente, sua irmã mais velha, Johnna, de 11 anos, ocupou a posição. "Quando a gente chegou na idade em que Evan resistiu muito, eu passei [a focar] mais na minha filha", disse a mãe. "Ela é um cavalinho de batalha."

Vídeos improvisados são mais fáceis. "Eu gosto de começar na hora", disse Johnna. "Se a gente precisa seguir um script e o pai diz pra gente o que fazer, tipo uma propaganda para um brinquedo, ou quando fizemos uns com drones que tinham um script, parecia mais trabalho."

Para um acordo que ele fez com a Best Buy, Gaines convenceu Evan e Johnna a passarem a última semana de férias de verão em uma viagem para as classificatórias do Nintendo World Championship, que ococrreu em algumas lojas da Best Buy.

Na viagem, Gaines postava fotos no Twitter, no Instagram e no YouTube. Cada um dos dois ganhou um console do Nintendo Switch, segundo o pai.

Ele e a mulher, Sarah, afirmam que não pagam as crianças nem dividem a renda com eles. O padrão de vida da família melhora quando os negócios vão bem nas redes sociais, e todos os membros da família se benficiam, de acordo com eles.

A Best Buy quis fazer uma parceria com a “Família Darnit” porque eles têm grande alcance em diversas plataformas digitais e são conhecidos pela diversão em família. "Eles estão em uma viagem de carro em família e se divertindo com a Best Buy, e esta é exatamente a mensagem que queremos que empolgue as pessoas", disse Shane Kitzman, um porta-voz da rede de lojas. Ele não revelou nenhum detalhe financeiro da parceria.

Patrocinadores e monetização não estavam na cabeça de Katie Ryan quando ela começou a gravar vídeos curtos de sua filha Ava e postá-los no Vine. Compartilhar os vídeos da filha com bom humor foi positivo para toda a família de Katie após a morte de sua irmã. 

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Ela não percebeu que a tendência de Ava para criar personagens e interpretá-los traria uma audiência mais ampla. 

Nos vídeos, Ava fica sentada na sala interpretando 'Charlene', uma "bagunça completa" que diz coisas como "Tudo bem você fazer uma festa de casamento, mas quando eu quero uma festa para mostrar meu amor por nachos ninguém se importa." Ou está na frente de um computador na cozinha, onde a 'Moça Chefe Mandona', baseada em alguém que Ava viu no escritório da tia-avó, diz: "Olhe para esta linda vista que eu tenho. Da Carol comendo biscoitos de queijo. O dia inteiro."

Os vídeos viralizam consistentemente. A página no Instagram (que está no nome da mãe), tem mais de 717 mil seguidores. 

Graças à renda que ela consegue no YouTube, Katie afirma que consegue se dedicar integralmente à maternidade.

Ela procura experiências emocionantes com Ava, que tem sete anos. Em agosto, a W Magazine levou Ava e a mãe para Nova York para gravar um vídeo de Ava no personagem de editora de moda, declarando frases como "É isso que eu visto quando eu como um grande pote de sorvete. Espera, eu não como sorvete há 17 anos."

O vídeo foi visto mais de 35 milhões de vezes nas páginas do Facebook de diversas revistas da editora Condé Nast, de acordo com Anne Sachs, diretora-executiva da W.

Apesar de Ava escrever suas ideias para vídeos em um diário e pedir para gravá-los com frequência, "às vezes eu digo para ela: 'Vamos a um parque em vez de gravar agora'", afirma a mãe. "Esse é o projetinho paralelo dela na vida. Ela está feliz e é só isso que importa."

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Zoie Fenty, ex-supervisor de turnos no Starbucks em Atlanta, que agora ganha a vida fazendo vídeos, também encontra alegria nas performances online das crianças.

Ele já fez mash-ups de "conversas" no FaceTime com as crianças de vídeos virais, incluindo Mila. Enquanto ela descreve sua experiência vistando a pré-escola ("As crianças são loucas, jogando grampeadores, fazendo cocô por toda parte!"), Fenty aparece no canto inferior esquerdo da tela, balançando a cabeça com empatia e horror ("Quê? Meu Deus!")

"As crianças entretêm. Elas não se importam com o que os outros pensam", disse Fenty em entrevista por telefone. "Tinha um programa chamado Kids Say the Darndest Things (Crianças Dizem as Coisas Mais Extraordinárias, em tradução live). Isso é hoje".

/Traduzido por Luiza Pollo

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