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Por que é tão difícil convencer algumas pessoas de que elas estão erradas?

Características biológicas e sociais interferem na teimosia; saiba como quebrar as barreiras e conversar com um ‘cabeça dura’

Por Luiza Pollo
Atualização:
Especialistas explicam que, para convencer um teimoso, ele precisa primeiro se identificar com você e não se sentir ameaçado Foto: Pixabay

Se você estava vivo nos últimos três anos, deve ter percebido que estamos discutindo mais. Política, religião, futebol e até o formato do planeta Terra têm dividido famílias, inspirado textões no Facebook e aumentado as listas de contatos bloqueados no WhatsApp.

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Não é só impressão. “Os algoritmos das redes sociais, que personalizam o que os usuários veem com base no perfil, nas curtidas, estimulam o fortalecimento de ideias, sejam elas quais forem. A pessoa fica menos exposta a variáveis e acredita que está certa”, explica a psicóloga Josie Conti.

Mas, antes de culpar a internet por nossas brigas e teimosias, é preciso entender que as redes apenas facilitam a expressão de um comportamento bem mais antigo – biológico, até – para nos 'proteger' do que é diferente.

“Temos uma programação no cérebro para saber o que é familiar, seguro e que conseguimos controlar. Tudo que é diferente de nós tende a ser pouco controlável, então são ativados todos os mecanismos de medo, e a pessoa tende a atacar”, explica Josie. 

Como exemplo, pense nas pessoas que acreditam veementemente que vacinas não são seguras. Mesmo com todas as pesquisas que provam o contrário, esse grupo ainda tem muita força e parece não se deixar convencer por provas concretas. Pela lógica da biologia, a resistência em aceitar uma nova ideia nesse caso pode ser mais uma questão proteger a identidade e a sensação de pertencimento a um grupo e menos uma preocupação racional com a verdade.

Brendan Nyhan, professor do Departamento de Governo do Dartmouth College, dedica seus estudos ao assunto há mais de 15 anos. Grande parte de sua pesquisa é focada nas percepções erradas que a população tem sobre fatos políticos e médicos. 

No estudo intitulado The roles of information deficits and identity threat in the prevalence of misperceptions (Os papéis do déficit de informação e ameaça de identidade na prevalência de percepções erradas, em tradução livre), ele e o colega Jason Reifler partem do princípio de que nossas percepções equivocadas sobre fatos podem ser resultado de dois fatores. 

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O primeiro é a falta de informação. Quem não tem acesso aos fatos não pode formar uma opinião confiável, certo? Nesse caso, a solução seria se informar com pesquisas e relatos com base na verdade e, a partir daí, formar uma opinião concreta.

Mas esse não é sempre o resultado. Como no caso das vacinas, se você já discutiu com alguém teimoso, sabe bem que muitas vezes não adianta nada comprovar que o outro está errado. Aliás, mostrar provas contra o que ele diz pode inclusive levantar mais ainda os mecanismos de defesa do teimoso, aumentando a convicção dele nas ideias equivocadas.

Josie explica: “Quanto mais assustada uma pessoa está em relação a algo, mais a reação será baseada em reflexo e menos na razão. É preciso dar um tempo para baixar a guarda e conseguir escutar.”

Quando a informação não basta, a segunda explicação que Nyhan e Reifler levantam é a de que nossas crenças são muito ligadas à nossa identidade. Nesse caso, “pessoas com crenças imprecisas provavelmente vão resistir a informações ameaçadoras quando pensam nelas ou são apresentados a elas, o que sugere que a ameaça à identidade é o mecanismo-chave” explicam os pesquisadores. 

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Tática. Para conversar com um teimoso, portanto, o primeiro passo é tomar cuidado para não parecer uma ameaça. “Primeiro você o elogia e ressalta os pontos fortes da argumentação do outro, para depois somar a sua informação e fazer o contraponto”, sugere Josie. Vale destacar algo que vocês têm em comum para melhorar a sensação de identificação. Principalmente, é preciso ter paciência. 

E não adianta culpar só os outros. Enquanto você pensa que o teimoso é aquele seu tio ultraconservador ou aquele colega de trabalho ‘comunista’, esses mesmos mecanismos de defesa da identidade estão presentes em você. Apesar de algumas pessoas terem mais maturidade para lidar com os fatos, como explica Ryad Simon, professor aposentado do Instituto de Psicologia do USP, todos estamos sujeitos a descartar ideias que vêm de encontro ao que nos é familiar.

Não acredita? Em 2015, o New York Times publicou um teste para medir a necessidade de confirmação das convicções dos leitores. É um jogo bem simples, disponível aqui (em inglês). Se você estiver disposto a colocar suas convicções à prova, faça o teste antes de continuar esta matéria e volte para cá em seguida. (A partir do próximo parágrafo, há spoilers sobre os resultados.) 

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O teste apresenta os números 2 - 4 - 8 e pede que o leitor continue a sequência e defina qual é o padrão. Para isso, é possível testar quantos números quiser e não há punição caso você tente um número errado. 

Quais outros números caberiam na sequência? Foto: Página do teste do jornal 'The New York Times'

A maioria das pessoas pensa, inicialmente, que o próximo número é 16, depois 32 - seguindo a lógica de que um número é sempre o dobro de seu antecessor. No entanto, essa não é a regra certa. 77% das pessoas que jogaram até agora enviaram suas respostas sem nem ao menos testarem um número que pensavam estar errado. Ou seja, quase oito em cada dez pessoas não colocaram sua convicção à prova. “Apesar de não haver penalidade ou custo ao ouvir um ‘não’, há uma pequena decepção que todos os seres humanos sentem ao ouvir essa palavra. É muito mais prazeroso ouvir ‘sim’”, reflete o resultado do experimento.

Para desbancar as convicções dos outros, no entanto, somos muito mais críticos. A revista The New Yorker descreveu um experimento recente feito pelo pesquisador Hugo Mercier, cientista cognitivo no Centro Nacional para Pesquisa Científica em Lyon, na França, que prova exatamente isso.

Os participantes deviam responder a uma série de problemas de lógica. Em seguida, cada um explicou suas respostas e teve a chance de mudá-las, caso percebesse que havia cometido um erro. A maioria estava satisfeita com o que escreveu; menos de 15% mudaram as respostas originais nesse segundo passo.

Na terceira parte, cada participante recebeu um dos mesmos problemas de lógica iniciais e, junto com ele, sua própria resposta e a de outro participante que havia discordado. Mais uma vez, eles tiveram a chance de mudar suas respostas, agora com base em uma ideia conflitante. 

No entanto, havia um truque. A resposta apresentada ao participante como a de outra pessoa era, na verdade, a dele próprio. Metade das pessoas percebeu o que estava acontecendo e reconheceu sua resposta. Mas os que não perceberam ficaram muito mais críticos. Quase 60% rejeitaram a resposta que haviam dado inicialmente e quiseram corrigi-la.

O pesquisador conclui que esse desequilíbrio reflete a forma como nossa racionalidade evoluiu para nos proteger. No passado, vivendo em pequenos bandos em busca de comida, nossos ancestrais tinham a preocupação de se estabelecer socialmente. O mais importante era saber se impor para não precisar sair caçar enquanto os outros ficavam descansando na caverna. E, para isso, não é necessário aplicar um raciocínio lógico, mas sim reagir rapidamente e ganhar uma briga.

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Mercier e seu colega Dan Sperber lembram, no livro The Enigma of Reason (O Enigma da Razão, em tradução livre), que a sociedade mudou muito. Nossos ancestrais não precisavam lidar com a quantidade de informações que temos hoje, nem com notícias falsas ou correntes mentirosas distribuídas no WhatsApp. “Este é um dos casos em que o ambiente mudou rápido demais para a seleção natural conseguir alcançar”, refletem.

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