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Por que certos atores não conseguem 'se livrar' de alguns personagens?

Cobrança por repetir um papel brilhante pode inibir atuação em outros trabalhos

Por Camila Tuchlinski
Atualização:
O ator Macaulay Culkin no filme 'Esqueceram de Mim'. Foto: Divulgação

Alguns atores são reconhecidos essencialmente por um único papel. Princesa Leia e Spock (Star Wars), Dexter (justiceiro e serial killer), Superman ('aquele' da série Smallville). Lembramos dos personagens, mas raramente vem à mente os nomes dos artistas. "Um ator, quando consegue encarnar realmente um personagem, sendo verdadeiro, toca as pessoas", segundo o psicanalista GustavoAlarcão. No final dos anos 1990, o filme O Sexto Sentido foi um sucesso em grande parte pela atuação do pequeno ator Haley Joel Osment. Ele fez outros trabalhos como em Lições Para Toda Vida e Duelo de Gigantes. Mesmo assim, Haley é lembrado como 'o menininho que vê gente morta a todo momento'.

O ator Haley Joel Osment, protagonista de 'O Sexto Sentido'. Foto: Reprodução

A indústria cultural está repleta de exemplos. Em seriados de comédia americanos, isso ainda é mais comum. Como não se recordar de Arnold, Will, Carlton Banks? O protagonista de Everybody Hates Chris (Todo Mundo Odeia o Chris), Tyler James Williams, chegou a discutir com fãs brasileiros nas redes sociais. A cada foto que o ator publica na página oficial no Instagram, uma menção ao personagem da série é feita por seguidores. "Passa um dólar" e "Tá maneiro, suco de fruta" são algumas das frases escritas por fãs.

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Para o psicanalista Gustavo Alarcão, se um personagem ganha um espaço muito maior do que a própria pessoa, o ator pode se sentir 'sugado' pelo papel. "Ele tem de responder a uma demanda irreal. Espera ser reconhecido como uma pessoa que está fazendo aquele papel. Quando o resultado se destaca excessivamente, existe uma pressão para que o ator repita o sucesso. O resultado pode ser inverso. Ele nunca mais consegue repetir a sua obra-prima", analisa. Em entrevista ao jornal britânico Metro, Macaulay Culkin declarou que não consegue mais assistir as edições de Esqueceram de Mim e que passa o Natal confinado na casa dele para evitar contato com as pessoas: "Eu definitivamente não saio de casa no Natal e no Dia de Ação de Graças. Esses são os dias do Macaulay". Todo o fim de ano é a mesma coisa: fãs pedem para que o ator faça caras de assustado, como seu personagem no filme. "Eu digo não, já passei dessa época, hoje tenho 37 anos,ok?", desabafou. Profissionais que conquistam tanta fama podem sofrer problemas psíquicos relacionados à depressão, ansiedade, uso de drogas. Se a reconquista do estrelato não ocorre, a existência se torna melancólica, na visão do psicanalista Gustavo Alarcão: "O ator não consegue fazer o luto, o encerramento de um trabalho. A pressão de repetir aquilo impede a criatividade de fluir. Como se fosse uma espécie de sina". Nas produções brasileiras não é diferente. Em alguns casos, sabemos até o sobrenome dos personagens: Odete Roitman (Beatriz Segall, em Vale Tudo), Nazaré Tedesco (Renata Sorrah, em Senhora do Destino), Agostinho Carrara (Pedro Cardoso, em A Grande Família). Em outras novelas, as lembranças estão atreladas a característica do personagem, como Cigano Igor, de Explode Coração, da TV Globo. Conversamos sobre o assunto com o pesquisador de Teledramaturgia Fábio Costa, autor do livro Novela: a obra aberta e seus problemas.Na teledramaturgia brasileira, quais foram os atores que se destacaram em um só papel (mesmo que tenham interpretado outros personagens)? Há alguns casos de atores marcados por um papel só, ainda que suas carreiras tenham sido/sejam longas e eles interpretem diversos outros, especialmente na TV. Mas um determinado personagem, ou um tipo de personagem, costuma mesmo marcar. A recentemente falecida Beatriz Segall e a vilã Odete Roitman de Vale Tudo são grande exemplo. Houve outra vilã interpretada pela mesma Beatriz, talvez até mais má do que Odete, que foi Lourdes Mesquita em Água Viva, mas Odete marcou demais. O Tonho da Lua de Mulheres de Areia marcou a carreira do Marcos Frota, a Escrava Isaura e a Lucélia Santos são praticamente uma pessoa só, e isso mundo afora... Cláudio Heinrich, quase 20 anos depois, ainda pode ser reconhecido como o índio branco Tatuapu de Uga Uga. Marcos Pasquim segue como o protótipo de Esteban, o 'pescador parrudo' de Kubanacan'". Pode ser cedo para colocá-lo no mesmo rol, mas Mateus Solano corre esse risco quando falamos do Félix de Amor à Vida. E há outros exemplos.

Isso acontece tanto com atores consagrados quanto com iniciantes (ex. do 'cigano Igor')? Com atores iniciantes e/ou menos conhecidos é mais comum ocorrer isso do personagem marcar demais, especialmente quando os trabalhos fazem grande sucesso. Marcam tanto que o ator insiste, tenta, mas nem sempre consegue se desvencilhar daquele primeiro estouro de repercussão. O Ricardo Macchi em Explode Coração é grande expoente, mas também temos Mel Lisboa em Presença de Anita, Larissa Maciel em Maysa - Quando Fala o Coração. No entanto, mesmo atores já conhecidos passam por processo semelhante. Solange Couto e sua Dona Jura em O Clone, Guilherme Fontes e o Alexandre de A Viagem e Nuno Leal Maia ao viver o Professor Pasqualete em algumas temporadas de Malhação, por exemplo. Esse conhecimento e afeição por uma nova geração de espectadores, agregado a um reconhecimento prévio, colaboram para que um trabalho marque muito.

Por que você acha que as pessoas só conseguem se lembrar do personagem mais marcante (ex. Beatriz Segall como Odete Roitman ou Renata Sorrah como Nazaré Tedesco)? Eu em breve farei 32 anos e, para mim, ainda que reconheça o inegável sucesso da personagem Nazaré Tedesco, Renata Sorrah será sempre Heleninha Roitman, a alcoólatra instável emocionalmente de Vale Tudo - curiosamente, filha de Odete. Mas é claro que 'quem veio depois de mim' tem dificuldade para dissociar, lembra-se imediatamente de Nazaré quando se fala em Renata e vice-versa. Acredito que as pessoas se recordem com mais facilidade dos personagens mais marcante por uma série de motivos, que podem se relacionar com as circunstâncias de cada carreira em particular. A Renata mesmo passou anos com papéis frequentes, mas nenhum muito marcante. Aí veio Nazaré, com essa coisa da nova geração de espectadores que não sabiam a grande atriz que ela era, por mais que não estivesse sumida. Quando a novela faz muito sucesso, uma criação que se destaca corre risco de estigmatizar o ator. Se não por um mesmo personagem, pelo mesmo tipo de papel - o vilão, o rico, o sofisticado, o bom marido, a mãe abnegada, a sogra megera, o avô mau-caráter. A internet também ajudou muito a marcar certos personagens já marcantes por si, como Bia Falcão de Belíssima, Flora de A Favorita, Carminha de Avenida Brasil, em razão dos famigerados memes. Como os memes sobrevivem às novelas por vezes, os personagens se mantêm vivos e ativos por algum tempo, ainda que sem reprises ou coisa do tipo.

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