O poder dos filmes para mudar nossos corações

Quando levei meus netos para assistirem 'Hidden Figures' o fato de as pessoas negras terem de usar banheiros separados e viajar na parte de trás de um ônibus era algo inimaginável para eles

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Por Vernon E. Jordan Jr
Atualização:
Por mais dividida que a vida nos Estados Unidos possa se tornar, o cinema é sempre um lugar onde podemos redescobrir o que nos une. E esta é uma verdade que ainda prevalece hoje Foto: Reprodução de cena do filme 'Estrelas Além do Tempo' (2016)

Quando era ainda um menino e vivia na Geórgia, minha mãe sempre dizia, 'beba um pouco de água agora' e 'use o banheiro antes de sairmos', quando íamos ao centro da cidade, porque assim não precisaríamos beber na fonte de água para pessoas de cor, ou usar o banheiro separado.

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Recentemente, quando assisti a Hiden Figures (Estrelas além do tempo), um filme notável narrando a história de três mulheres afro-americanas na NASA e ambientado nos anos 60, momentos intensos durante o filme me levaram de volta àquela época.

No filme, a personagem interpretada por Octavia Spencer, diz a seus filhos, quando estão sentados na parte de trás do ônibus, que ela é uma cidadã que paga seus impostos e tem direito a retirar um livro da biblioteca. Posso ouvir a voz da minha mãe na personagem. Quando nos sentávamos na parte traseira do bonde ela sempre dizia a meus irmãos e irmãs: "só porque vocês estão sentados na parte de trás não significa que essas pessoas brancas são melhores do que vocês".

Mas era fácil ter essa impressão. Na banda da minha escola eu tocava uma tuba em péssimas condições que fora dada por uma das escolas para brancos. Em 1952 o livro de geometria plana que me foi dado pela escola estava em frangalhos e tinha sido usado pela primeira vez por alunos brancos em 1935, ano em que nasci. O dinheiro desembolsado para a educação, por estudante, nas escolas de Atlanta, era quatro vezes maior para os alunos brancos do que para nós.

A divisão é sempre um produto da suposição - supor que nossa história é a única história, que nossas vidas são mais difíceis do que as dos outros, ou que as pessoas que não gostam de você não têm o direito de viver e trabalhar para realizar o sonho americano.

Mas por mais dividida que a vida neste país possa se tornar, o cinema é sempre um lugar onde podemos redescobrir o que nos une. E esta é uma verdade que ainda prevalece hoje. E o que ajuda é o fato de o público agora estar mais diversificado do que nunca, não apenas em termos do que parece, mas na maneira como vive sua vida.

Quando levei meus netos para assistirem Hidden Figures o fato de as pessoas negras terem de usar banheiros separados e viajar na parte de trás de um ônibus era algo inimaginável para eles. E eu me senti aliviado por eles não sofrerem hoje aquele tipo de discriminação. Na verdade, alguns durante sua vida conviveram com um presidente negro. Mas isto me lembrou que quando entramos em um cinema, cada um carrega suas próprias experiências.

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Durante todos estes anos da minha vida batalhando pelos direitos civis, tenho observado como os filmes podem ser uma das armas mais eficazes em nosso arsenal. Jovem eu me maravilhei com Sidney Poitier desafiando o preconceito no filme No Calor da Noite. Quando vemos a injustiça sob uma outra perspectiva na tela, nos tornamos mais conscientes das injustiças na vida real.

Hidden Figures mostra a complexidade do preconceito a partir de muitos ângulos. Vemos na claridade absoluta que as lutas pelos direitos civis e os direitos das mulheres nunca foram separadas. As duas questões se entrelaçavam e eram inseparáveis e é exatamente assim que devem ser vistas dentro e fora do cinema.

Avançar no campo dos direitos civis depende da disposição de cada um de nós de penetrar no nosso passado. Mesmo as pequenas ações - como incentivar alguém a não desistir, ou dizer que sua história é tão importante quanto a de qualquer outra pessoa, pode ter um grande impacto.

E isto é uma verdade seja para atingirmos o espaço sideral ou simplesmente um nível maior de civilidade.

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 Tradução de Terezinha Martino   * Vernon E. Jordan Jr. é diretor gerente da Lazard Freres & Co.

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