PUBLICIDADE

‘Não vai ser fácil, vão te culpar, vão dizer que está louca’, diz vítima de assédio na universidade

Ex-aluna da USP relata que sofreu assédio sexual de um funcionário administrativo da instituição e nunca viu sua denúncia gerar providências por parte da instituição

Por Hyndara Freitas
Atualização:
Alunas e ex-alunas relatam assédios sofridos por professores e funcionários das universidades. Foto: Aidan Meyer_Stocksnap

Luana (nome fictício) era estudante de jornalismo na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP quando foi assediada por um funcionário. "Começou assim que entrei na faculdade, no meu primeiro ano, e se perpetuou até 2015, quando atingiu o ápice. O funcionário sempre tratou todas as meninas com muita atenção, se fazia de amigo, era sempre muito prestativo. Logo no primeiro semestre, descobri que ele pegava o mesmo ônibus que eu para ir embora. Ele sempre me encontrava no ponto de ônibus e ficava puxando conversa", relembra.

PUBLICIDADE

Ela conta que o homem em questão, que trabalhava na secretaria da faculdade, sempre fazia perguntas pessoais a ela, sobre relacionamentos e hábitos de sua rotina, usando um tom 'paternal', como se pretendesse mostrar que tinha preocupação e não estava cometendo assédio. "Depois de um tempo, parei de encontrá-lo com frequência no ônibus, mas ele me manda e-mails, sempre se fazendo de íntimo".

A jovem mostrou ao E+ alguns e-mails que trocou com o funcionário. Em um deles, conforme mostra a imagem abaixo, ele fala do corpo da então aluna com termos de conotação claramente sexual.

Alguns dos e-mails que o funcionário enviou para a ex-aluna. Foto: Imagem cedida pela aluna

PRINTS DAS CONVERSAS

"Perguntei se ele percebia a gravidade daquilo que tinha me enviado, se tinha noção do quanto aquilo era impróprio, desrespeitoso e machista, que o que ele escreveu em contexto nenhum seria aceitável de ser dito a qualquer aluna. Ele me respondeu com um 'pedido de desculpas', alegando que minha interpretação havia sido dúbia e equivocada", contou.

Luana explica que denunciou o assediador, mas não viu nenhuma providência ser tomada. Ela relatou o caso à ouvidoria da faculdade e ao chefe de departamento em que o funcionário trabalha. "Do chefe do departamento nunca obtive resposta, até confrontá-lo num post do Facebook tempos depois. Da ouvidoria, recebi um retorno após três meses: 'Gostaria de saber se as questões mencionadas foram equacionadas junto ao funcionário citado ou se é necessário alguma mediação para esclarecimento do ocorrido'. Um descaso total. Você sofre assédio de um funcionário e te perguntam se você mesma já resolveu com ele ou se quer uma mediação? Fiquei com muita raiva. Nunca respondi a esse e-mail, é óbvio que não iria dar em nada". Segundo ela, o funcionário trabalha na universidade até hoje.

O assédio causa tanta impotência que, às vezes, o sentimento é de culpa. "Em certo ponto, comecei a me questionar, claro, se eu não havia dado abertura para aquilo. Mas é claro que não. Eu tinha 19 anos, só queria resolver problemas com minha matrícula e, posteriormente, com meu TCC. Nunca esperava passar por isso. Na verdade a gente nunca espera, né?".

Publicidade

A ex-aluna ainda presenciou o assédio acontecer com outras estudantes. "Muitas alunas da minha faculdade passaram pelo mesmo que eu. Várias têm e-mails, assim como eu. E mesmo assim, nada foi feito", relembra.

Hoje, ela aconselha que vítimas de assédio sejam fortes e que não fiquem caladas. "Denuncie, faça um escândalo. Não podemos mais ser silenciadas. Muitas de nós passam por situações como essa todos os dias. E também digo: coragem. Muita coragem, porque não vai ser fácil. Vão dizer que você é culpada, que você entendeu mal, que você está louca. Mas persista e seja forte. Procure apoio de outras mulheres", encoraja. "É exaustivo ter que continuar explicando por que é um absurdo um homem achar que tem o direito de comentar sobre seu corpo, de te tocar, de te agredir. Mas não tem outro jeito, vamos ter que continuar repetindo e repetindo, até que todos entendam, até que isso pare. Não desanime e vá até o fim. Por você e por todas as outras que passaram pelo mesmo ou que ainda podem estar um dia no seu lugar", finaliza.

De acordo com a universidade, as alunas podem denunciar anonimamente, mas alunas relatam que, para abertura do processo de investigação, a procuradoria da instituição exige que as acusadoras se identifiquem para que os acusados possam 'se defender'. 

Outro lado. A ECA comunicou que segue diretrizes estabelecidas pelo departamento USP Mulheres, que são diretrizes gerais para todas as instituições que pertencem à universidade. "De um ano para cá, muita coisa mudou. Primeiro, recuperamos todas as queixas que existiam e demos encaminhamento", explica Eva Blay, professora e socióloga que coordena o USP Mulheres. "Agora, as alunas estão muito fortalecidas, formaram coletivos, estão empoderadas, elas não aceitam mais assédio. Nós, por outro lado, inundamos a USP, não só na capital como interior, com cartazes com frases como 'se a menina está de saia curta, ela tem de ser respeitada'. Isso é muito discutido".

PUBLICIDADE

Ela explica que cada uma das faculdades que compõem a USP contam com uma comissão de direitos humanos, formados por professores e diretores. Se uma aluna for assediada dentro do ambiente acadêmico, seja por um professor, funcionário ou outro aluno, ela pode denunciar neste centro.

"Ela faz a denúncia para uma pessoa, e só essa pessoa ficará sabendo. A identidade da vítima fica mantida em sigilo. Aí a comissão de Direitos Humanos vai falar com o professor e tomar as atitudes cabíveis de acordo com a intensidade do assédio. Às vezes, é um assédio de linguagem, que é grave também, e o professor será advertido. A depender da denúncia, será criado um inquérito para investigar o problema e ele pode até ser afastado. Se tiver de ser afastado, ele vai ser", garante Eva.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.