Luto em tempos de internet: o que fazer com o perfil de alguém que já morreu?

As redes sociais podem estar mudando a forma com que lidamos com a perda

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Por Luiza Pollo
Atualização:
 Foto: Reprodução/Pixabay

“Sinto por sua partida”, “Hoje um pedaço de mim vai contigo”, “Como assim tu se foi?”. As frases, pontuadas por emojis tristes e corações partidos, foram deixadas na página do Facebook de um rapaz de 36 anos que morreu na semana passada. 

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Em meio às mensagens de saudades, estão outras, menos ‘sensíveis’. “Para TUDO!!! Como assim Produção?!?! André* e eu conversamos semana passada... estávamos combinados de você vim (sic) aqui em casa... Não Amigo!!! Assim não!!!” e alguns insistentes “Oi que está havendo????” estão entre elas. Outro conhecido publicou diversas mensagens perguntando quando e onde seria o enterro.

Além do luto, normal a qualquer perda, a família e os amigos próximos de André* precisaram lidar com uma enxurrada de notificações nas redes sociais, uma situação bastante comum. “Acredito que essa é a forma que algumas pessoas encontram de lidar. Em vez de deixar uma mensagem no túmulo, em um livro de condolências ou fazer uma oração, você vai no perfil e deixa o recado”, explica Rogério Oliveira, presidente do Conselho Federal de Psicologia.

Segundo o psicólogo, seria preciso fazer um estudo mais aprofundado para entender a mudança na forma de lidar com o luto em tempos de redes sociais, mas ele afirma que é possível tecer algumas hipóteses. Oliveira explica que manter um perfil ativo após a morte pode trazer a sensação de ‘esticar’ a preservação da memória do que a pessoa foi em vida. “Alguns realizam isso tendo filhos, netos, descendentes, ou a partir de grandes obras.” As redes sociais seriam apenas outra forma de manter as lembranças vivas.

No entanto, a manutenção de um perfil pode ‘atrapalhar’ o processo natural do luto. “Minha hipótese é de que a não colocação de um ponto final, tentar manter o personagem vivo nas redes, pode trazer um mal estar”, diz o psicólogo. Isso porque, segundo ele, é preciso ‘elaborar’ a perda, lidar com ela e avançar. 

Suponhamos que os irmãos de uma mulher que morreu resolvam manter seu perfil ativo, mandar mensagens, curtir postagens antigas. Para eles, essa pode ser apenas uma forma de lidar com a perda. No entanto, se ela tiver filhos adolescentes que acessam as redes sociais e veem a ‘interação’ com a mãe, eles podem ter dificuldade de seguir em frente. “Na fase da adolescência é importante perceber que a pessoa se foi mesmo, para poder se constituir como sujeito”, afirma Oliveira.

O Facebook oferece duas opções. A família pode solicitar que um perfil seja transformado em ‘memorial’ ou que ele seja apagado. Na primeira opção, a expressão ‘Em memória’ aparecerá ao lado da foto de perfil, os amigos na rede não receberão lembretes de aniversário e a pessoa não aparecerá mais como sugestão de amizade. Para entender melhor como funciona um perfil memorial, clique aqui. Apagar uma conta, por outro lado, pode ser mais difícil. Isso pode ser feito por um parente próximo confirmado, que deve entrar em contato com o Facebook e fazer a solicitação.

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Oliveira afirma que não há uma opção ‘ideal’. “Se acontecesse com alguém que eu gosto muito, eu dou um tempo para a família e depois desfaço a amizade. Acho que é o melhor, do ponto de vista objetivo. Mas, se fosse com alguém da minha própria família, solicitaria que apagassem o perfil”, opina.

Para quem deseja manter a memória de um parente ou amigo querido nas redes, alguns sites oferecem a opção de criar uma página em homenagem à pessoa. “Um projeto online, que indique que realmente é uma memória, pode ser interessante. Se a pessoa deixou uma obra, belas receitas culinárias, por exemplo, eu acho que vale a pena criar uma página e explicitar que é uma homenagem”, defende Oliveira.

*Nome fictício para preservar a identidade

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