Empresas 'abraçam' a causa LGBT; até que ponto esse envolvimento é real?

Dados mostram que o ambiente corporativo ainda não está totalmente aberto ao público LGBT, e grupos se formam para dar voz à causa

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Por Ludimila Honorato
Atualização:
Em autoavaliação, empresas reconhecem que falta atenção a travestis e transexuais no ambiente corporativo. Foto: Pixabay

Nos últimos anos, campanhas publicitárias que prezam pela representatividade de homossexuais têm sido frequentes. Na última Parada do Orgulho LGBT, em São Paulo, empresas vestiram a camisa, literalmente, em prol da diversidade de gênero. Mas até que ponto as corporações estão verdadeiramente engajadas nessa causa? E como os funcionários gays são tratados e se sentem dentro do ambiente de trabalho?

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“A gente vê uma disparidade em relação à discussão de gênero. As empresas estão avançando na questão de gênero binário (masculino e feminino), mas o cenário é completamente diferente em relação aos transexuais”, diz Jean Soldatelli, sócio-diretor da consultoria Santo Caos.

As próprias empresas reconhecem que estão em falta nesse quesito. Em um levantamento feito pelo Fórum de Empresas e Direitos LGBT, em que as companhias signatárias fazem uma autoavaliação, 43,3% se dizem comprometidas em estabelecer políticas de não discriminação. Quando o assunto é priorizar travestis e transexuais, o número cai para 23,3%.

Apesar disso, Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum, diz que a discussão avançou desde o início da organização, em 2013. “As empresas estão sabendo lidar melhor, antes era um estranhamento grande. Mas também não é uma aceitação fingida. Tem quem se proponha a ajudar com a troca do nome social, por exemplo”, afirma.

O levantamento considera os 10 compromissos que norteiam o trabalho do Fórum, assinados por 38 empresas atualmente (30 responderam a pesquisa). A maioria é de origem internacional, em que a discussão de gênero era presente e foi transferida para as representantes brasileiras. Entre as nacionais, estão Ambev, Braskem e escritórios jurídicos como TozziniFreire e Mattos Filho.

Cenário opressor. Segundo a pesquisa Demitindo Preconceitos, feita pela Santo Caos, 40% das pessoas entrevistadas já sofreram discriminação direta no trabalho devido à orientação sexual. Entre as principais situações, estão piadas por superiores ou colegas, fofocas, assédio moral e exposição seguida de pedido de demissão.

Essa realidade faz com que, às vezes, haja resistência das pessoas em declarar sua orientação sexual (53%) por medo de situações desagradáveis. O convívio social e a produtividade também podem ser afetados. Em alguns casos, a pessoa muda os rumos da profissão. A pesquisa aponta que ¼ do público LGBT altera algo na carreira por medo da homofobia e transfobia.

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Rafael (nome fictício), de 27 anos, sofreu preconceito velado no início da carreira. Recém-saído da faculdade, começou a trabalhar em uma empresa que buscava uma tática de comunicação mais criativa nas redes sociais e no site. “Eu gesticulo muito no meu mundo, converso com gírias gays, então fui verdadeiro”, conta. A naturalidade, porém, não agradou, e ele começou a ouvir piadas e comentários referentes à sexualidade dele. “Mas não havia comunicação, nunca me falaram o que podia ou não escrever no site”, afirma.

Ao observar ações de machismo e opressão no ambiente de trabalho, Rafael percebeu que os perfis dele e da empresa não se encaixavam. Com um mês contrato, ele foi demitido. “Foi uma coisa que me doeu muito. Se você se autodeclara gay, sofre; se você não fala, vive em uma eterna prisão de ser quem é”, declara.

O estudo da Santo Caos aponta que 54% das empresas acreditam que a discriminação exista, mesmo que seja velada. Outras 38% têm restrições para a contratação de homossexuais. Segundo a Associação Brasileira de Recursos Humanos, 60% das empresas não difundem o respeito aos LGBTs nos manuais de conduta e 10% afirmam que possuem ações efetivas com o foco de tratar o assunto.

Discussão restrita, mas positiva. “A maioria das empresas falam de forma superficial do público LGBT, e a questão fica muito dentro dos comitês”, aponta Jean Soldatelli. Os comitês são grupos criados para discutir a diversidade de gênero, incluir esse público no meio corporativo e disseminar a conscientização entre todos os integrantes da empresa. Geralmente, a criação desses núcleos é uma iniciativa dos próprios funcionários gays.

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Pedro Giannetti, de 23 anos, é trainee de marketing em uma empresa cujos serviços e produtos, segundo ele, aspiram masculinidade, conduta presente no dia a dia da organização. No entanto, ele diz nunca ter sido desrespeitado. Inclusive, o jovem recebeu apoio do chefe para implementar um programa de diversidade dentro da companhia.

Segundo ele, o incentivo contribuiu para que se sentisse mais à vontade ao longo do tempo, porque no começo era diferente. “Percebi que minha orientação sexual me impedia de estabelecer relações com outras pessoas, principalmente com heterossexuais. Não me sentia confortável em falar com algumas pessoas, ficava uma tensão no ar”, conta.

Antes, Giannetti trabalhou na LinkedIn, onde participou do processo de criação do LGBT Tech, grupo de funcionários de empresas de tecnologia que busca trazer para o Brasil boas práticas de diversidade. Essa é uma das frentes em que a empresa atua por meio do Out@In, comitê de diversidade criado em 2015 no escritório nacional. “A proposta é discutir e trazer iniciativas para fazer um ambiente de trabalho mais inclusivo e receptivo para o LGBT”, explica João Bevilacqua, líder do Out@In para a América Latina.

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Neste mês da diversidade de gênero, a equipe montou um calendário de ações que inclui happy hour mensal dentro do escritório – um deles com performance de drag queen para ampliar a conscientização e entendimento da cultura – e workshops que promovem discussão e educação do tema. Na rede social, a empresa lançou a campanha #ProudAtWork, que incentiva as pessoas a compartilharem suas experiências como LGBT na carreira profissional.

Abertura que beneficia. Bevilacqua afirma que é fundamental criar espaços de comunicação e discussão dentro das companhias. “Quanto mais a empresa conseguir trazer a diversidade para as discussões, seja de ideias ou experiências, mais criativa e preparada ela estará para se sistematizar a longo prazo”, diz. “O maior risco é ficar estagnado. Todas as vozes precisam ser ouvidas e, quanto mais dissonantes, melhor.”

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Do ponto de vista do engajamento, Jean Soldatelli, da Santo Caos, fala em um conjunto de conexões que precisam estar equilibradas: conscientização, compromisso, identificação, orgulho e compartilhamento. “Quando tenho de fingir ser quem não sou, o estresse profissional impacta a produtividade, pois não tenho vontade de estar ali e fazer a relação acontecer”, diz Soldatelli sobre a necessidade da identificação, que é quando empresa e funcionário se reconhecem e criam relações humanizadas.

Embora sejam poucas as corporações nacionais que fazem parte do Fórum de Empresas e Direitos LGBT, ou ainda que pareça pouco a criação de comitês que discutem a diversidade de gênero, Bulgarelli afirma que as ações são positivas.“Há pouco tempo, as empresas não queriam associar suas marcas aos LGBTs, mas agora temos mudado isso. Não é um movimento de massa ainda, mas pode ser um grande movimento de mil empresas no futuro”, almeja.

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