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Apenas 3% das bonecas no mercado são negras, aponta estudo

'Há uma sensibilidade de empresas de estética assumindo a beleza negra como beleza também, mas com brinquedos continua a mesma coisa', analisa a coordenadora da campanha 'Cadê Nossa Boneca?'

Por Hyndara Freitas
Atualização:
Apesar da maioria da população brasileira se declarar negra, apenas 3% das bonecas são negras. Foto: Akintunde Akinleye/REUTERS

Negros e pardos representam 53,6% da população brasileira, segundo dados do IBGE de 2014. Ainda assim, há pouca representividade desse grupo na esfera comercial. Nos últimos anos, porém, marcas de cosméticos, roupas e agências de publicidade têm percebido que esse público existe, que deve ser representado e também tem grande potencial de consumo. 

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Mas há alguns setores que passam longe dessa revolução. Um exemplo é o mercado de brinquedos: apenas 3% das bonecas vendidas em lojas online no País são negras, de acordo com estudo realizado pela ONG Avante, que promove a campanha Cadê Nossa Boneca?. 

A campanha foi idealizada pelas psicólogas Ana Marcilia e Mylene Alves, e pela artista plástica Raquel Rocha, e entrou no ar a partir de abril deste ano. No início, o site e a página do Facebook trouxeram à tona a falta de bonecas negras no mercado e traziam discussões sobre o tema. Mas, até então, a pouca diversidade entre este tipo de brinquedo era apenas uma observação das três mulheres. Foi aí que elas decidiram fazer a pesquisa. 

"Há três anos, Ana colhia doações de brinquedos para uma creche dentro de um presídio de Salvador, e lhe chamou atenção o fato de não ter boneca negra entre os brinquedos. A ONG para a qual ela trabalhava era liderada por uma pessoa extremamente consciente sobre a representatividade, e, por isso, pediu para que as bonecas fossem devolvidas. Então, Ana pôde doar os brinquedos, mas não as bonecas. Então ela entrou em contato comigo - nós já trabalhamos juntas - e com a Raquel, que era outra amiga, nos encontramos e conversamos sobre o assunto. Foi um gatilho sobre esse problema que nos afeta", contou Mylene ao E+.

O problema chamou ainda mais atenção por conta do local em que elas moram. Salvador é a cidade com maior número de negros da América Latina, com mais de 75% da população se declarando negra ou parda. 

Para se chegar ao resultado da pesquisa, foi preciso muito trabalho manual. "Até então era só uma observação a olho nu nossa e de pessoas que conversavam conosco a partir da página, e como a gente tem essa facilidade do online, então fizemos a pesquisa sem ajuda de nenhum instituito de pesquisa, fizemos manualmente e divulgamos esses dados", relembra Mylene. 

A coleta de dados começou pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), principal associação do setor, e depois partiu para o varejo. "Nós visitamos uma feira em São Paulo, fizemos algumas entrevistas com pessoas dentro da feira, tanto vendedores quanto fornecedores. As entrevistas eram uma avaliação mais qualitativa sobre como pensava o setor. Aí, partimos para ver quais eram as afiliadas da Abrinq e ali a gente levantou cerca de 39 fabricantes de bonecas dos mais diferentes modelos. Três deles não tinham site ativo, então dos outros 36 a gente fez o levantamento um a um, e fizemos uma comparação entre a quantidade de bonecas brancas e negras", detalhou.

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Durante a visita a essa feira, Mylene, Raquel e Ana perceberam uma resistência dos próprios fornecedores em relação às bonecas negras. "Nas nossas entrevistas, a gente ouviu alguns depoimentos mais sinceros de vendedores, dizendo que, quando iam fazer seu portfólio - porque ali é onde os varejistas olham seu portfólio para os próximos seis meses -as orientações dos superiores eram: 'o histórico é de vendas baixas ou de prejuízo quando o assunto é bonecas negras'. Ou seja, no momento do varejista escolher modelos brancos e negros, ele já tinha essa contraindicação ao adquirir e, consequentemente, comercializar bonecas negras". 

Depois de analisar todos esses 36 fabricantes, era a vez das lojas online. Foram escolhidas as três maiores varejistas de brinquedos do País: Lojas Americanas, Walmart e RiHappy. "A gente conseguiu pegar algumas lojas, não conseguimos a totalidade, mas as que têm maior volume de venda, e a partir daí fizemos essas comparações. E tanto no que diz respeito a fabricação quanto na comercialização, a gente vê um 'gap' muito grande entre bonecas negras e brancas. No caso da comercialização, ainda é pior do que na fabricação", relatou a coordenadora da campanha. 

No final, as três aferiram que, dos 1945 modelos de bonecas encontrados nos sites das fabricantes, apenas 131 são negras. Já entre as varejistas online, apenas 3% das bonecas disponíveis para compra são negras. A pior situação foi verificada no site das Lojas Americanas, em que, de 3030 bonecas, apenas 18 eram negras. Já no site da RiHappy, foram encontradas 17 modelos negras entre 632 bonecas e, no Walmart, entre 835, 20 eram negras.

Mylene opina que o mercado já deveria ter entendido a demanda de bonecas negras, mas no setor de brinquedos isso não foi percebido. "Não é só uma questão de oferta e procura, a gente está falando de algo que foi passado por uma questão cultural que é secular no nosso País. A gente sempre ouve a avaliação positiva em relação ao branco e negativa em relação ao negro, e isso permeia mercados de beleza, de estética, de brinquedos. A gente vê uma sensibilidade das empresas de estética assumindo a beleza negra como beleza também, mas com brinquedos continua a mesma coisa, não sabemos por que o mercado de bonecas ainda está andando em passos lentos em relação a isso."

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Esse tipo de representatividade, a psicóloga acredita, é importante porque "a criança se vê na boneca", principalmente "quando vê bonecas vestidas de profissões, de médicas, de engenheiras, ela aprende desde cedo que ela pode ser o que ela quiser", e que "mudanças sutis como esta são um grande passo na construção de uma sociedade que respeita e aceita suas diferenças raciais, contribuindo assim para que haja diminuição do preconceito, além de elevar a autoestima das crianças". 

Outro lado. A B2W, responsável pela Americanas, não quis se pronunciar sobre o assunto. Em contato telefônico, disse apenas que "não costuma falar com a imprensa". Já a RiHappy declarou que está atuando para aumentar a quantidade de bonecas negras no mercado. "O grupo RiHappy apoia a diversidade. Vale lembrar que a produção de brinquedos está relacionada com seus respectivos fabricantes, porém a empresa procura estimular que os mesmos lembrem da questão da diversidade em sua linha de produção." 

A empresa ainda lembrou que comercializou, com exclusividade, a linha Barbie Fashionistas, da Mattel, que tem diferentes tons de pele e tipos de corpo, e a boneca Baby Alive negra. Além disso, a RiHappy revelou que está trabalhando em novidades nesse sentido. "O grupo RiHappy também manteve contato, nos últimos meses, com o Baobá (Fundo para Equidade Racial) e, juntamente com a Estrela, está formatando uma parceria para o lançamento exclusivo de bonecas negras no mercado nos próximos 60 dias", esclareceu. 

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Já a Abrinq considera que a porcentagem atual de bonecas negras no mercado já é uma vitória. "Há 10 anos, não havia bonecas negras no Brasil. A participação era zero. Conseguimos elevar esse número para 3%, o que consideramos uma vitória. Os sinais de mercado indicam que essa demanda pode ser crescente, e a indústria brasileira de brinquedos está preparada para atendê-la", declarou Synésio Batista da Costa, presidente da Associação.

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