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A aventura de me tornar viral

Quando você persegue uma carreira num campo ingrato e, principalmente, está nisso por conta e risco, agarra-se aos pequenos sucessos como a um salva-vidas, sentindo que não está totalmente perdido no oceano

Por Jake Flores
Atualização:
 Foto: Tim Lahan/New York Times

No começo do ano, tuitei isto: "Estou começando a achar que esta é a última temporada dos Estados Unidos e os escritores estão pirando". 

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Você pode topar com a frase no Facebook ou num email. É a piada mais divulgada que já produzi. Não acho que seja a minha melhor, mas serve para mostrar como essas coisas caminham. De qualquer modo, está em toda parte. E não me rendeu nada. 

Como comediante, gosto do Twitter porque é grátis e meio que baseado no mérito. É um veículo para a comédia no qual se pode simplesmente jogar pensamentos sem necessidade de agente ou administrador. Gosto da reação instantânea que ele traz do éter. Vira um vício, como cigarro e doces. Acho que gosto até um pouco demais. 

No dia 13 de fevereiro, estava sentado na escrivaninha na qual passo muito tempo ciscando em pizzas e romances lidos pela metade, pensando nos dez anos que já investi numa carreira de comediante que, como o motor de caminhão velho, morre e pega de novo. Estava desempregado em Nova York, sem agente e sem dinheiro. Passava dias sozinho, lendo notícias e interpretando segundo meus critérios. 

Ocorreu-me que, nas loucuras em torno da atual corrida para a presidência, a pior parte eram as discussões com pessoas que considero amigas. Vi gente se bloqueando e se hostilizando online. 

Mergulhei nas trevas dos comentários do YouTube. Ficava horas olhando o vazio ou lendo artigos que respaldavam minhas convicções. Postei mensagens raivosas no Facebook afastando-me de amigos partidários da outra candidatura. Mas achava que tinha de haver algum terreno comum em alguma parte. 

Disparei uma obscura observação sobre a única coisa com a qual achava que todos poderiam concordar, que as coisas estavam ficando esquisitas. 

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Isso estava em algum lugar do 15.000º tuíte que mandei. Decolou. Teoricamente, era o que eu estava tentando fazer acontecer com os primeiros 14.999. Essa teoria, no entanto, presume que o propósito da mídia social é nos fazer famosos, ou que simplesmente exista propósito na mídia social. De qualquer modo, estaria mentindo se dissesse que não me sinto um vencedor. Vi meu telefone explodir com mensagens. A internet me dizia "Jake, você é mesmo engraçado". 

Meu cérebro se encheu de dopamina. Meu telefone zumbia e piscava. Eu vivia uma experiência da mitologia moderna: ser viral. 

Quando você persegue uma carreira num campo ingrato e, principalmente, está nisso por conta e risco, agarra-se aos pequenos sucessos como a um salva-vidas, sentindo que não está totalmente perdido no oceano. 

Na primeira noite depois que o tuíte decolou, meu nome estava em trends em diferentes cidades do planeta. Celebridades passavam minha piada umas para as outras - gente como John Hodgman, Bette Midler, Minnie Driver, pessoas que eu via em filmes e nem achava que fossem reais. Amigos de todas as partes do país me contatavam para dizer que tinham ouvido fulano me citando. O tuíte atingiu facilmente mais gente que qualquer disco ou podcast que eu já produzira. 

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Atualmente está em torno de 30 mil retuítes no Twitter. Na página do Facebook de uma organização sem fins lucrativos teve 60 mil likes e 45 mil compartilhamentos. Essa única piada me levou ao FunnyOrDie e à Playboy. Se você é um comediante desconhecido, é muita areia em seu caminhãozinho.

Acordei uma manhã e descobri que estava na CNN, numa reportagem sobre as primárias republicanas. Meu nome e palavras estavam na televisão - tudo sem me render um só dólar. A ironia é que, enquanto entretinha gente em todo o planeta, eu mal conseguia pagar o aluguel. 

Durante anos vi uma porção de amigos comediantes fazerem algum sucesso. Tinha sempre a sensação de que algo sensacional, uma grande sacada, deflagrara o processo. Ficava imaginando como isso acontecia, mas não perguntava. Continuava trabalhando e esperando pacientemente. Mas a grande sacada estava sempre distante, como uma miragem na estrada. Na fila da mercearia, observava pessoas que compravam bilhetes de loteria e continuava a esperar que a indústria do entretenimento me desse um emprego para ser engraçado. Às vezes, acho que ironia comigo é desperdício.

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Em fevereiro, enquanto minha piada ficava viral, eu ainda procurava emprego. As entrevistas eram ao mesmo tempo entusiasmantes e deprimentes. Não cheguei a achar realmente que o fato de me tornar um meme deslancharia minha carreira, mas tinha esperança de que sim. Queria ganhar escrevendo, porém como precisava ganhar de qualquer jeito, entrei na Craiglist e comecei a procurar. 

Em março, fui ser bartender num bar que tinha shows stand-up. Na primeira noite, terminei meu turno e me preparava para ir embora quando o M.C. me perguntou se eu gostaria de dar uma 'palha'. 

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Fui ao palco e larguei um pacote de sete minutos de material que já tinha experimentado em clubes de comédia e festivais de música pelo país. Minha intenção era entrar com tudo e arrasar. Em meus dez anos como comediante, tinha feito turnês e gravado um disco. Sabia o que funcionava. E, afinal, era famoso na internet. 

Foi um fracasso. A plateia me olhava em silêncio enquanto eu despejava piadas que julgava imbatíveis. Me senti como nesses pesadelos em que você aparece nu em uma escola cheia. Palavras saíam de minha boca e caíam nos sapatos. 

De uma coisa sempre gostei na comédia stand-up: ela não sabe o que é misericórdia. Na última década me atirei periodicamente no inferno do palco, por cinco minutos, dez, às vezes até por uma hora inteira. Mesmo quando ia bem, me sentia triturado. 

Ultimamente, parei de pensar em ficar rico. Parei também de pensar em deixar a carreira. Passei até a adorar o ácido de bateria do batismo do fracasso. Deixei de sonhar com uma vida na qual seria rico e não teria de trabalhar. Agora gosto do trabalho.

Acho a internet parecida com um caça-níqueis quebrado, que não aceita moedas, acende todas as luzes e faz uma cacofonia de bipes quando se acerta o grande prêmio - mas não paga prêmio nenhum. Me pergunto como fui acreditar nesse sistema. 

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Muito pouca gente, no atual esquema, ganha escrevendo piadas. Mas a vitrine é ilimitada. O fato de qualquer um poder entrar no Twitter é quase garantia de que ninguém aposta nele como forma de fazer dinheiro. Parece quase socialismo. É como ficar a noite inteira em pé discutindo sobre mídia social sem encontrar uma resposta. Talvez seja a temporada final da internet e os escritores estejam simplesmente ficando pirados. 

* Jake Flores é comediante. Vive em Nova York    Tradução de Roberto Muniz 

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