Tesouros de uma vida

Marilu Beer junta peças assinadas e outras de valor sentimental em seu claro apartamento em Higienópolis

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Por Marisa Vieira da Costa
Atualização:

Cada móvel, cada obra de arte, cada objeto tem uma história ou uma assinatura famosa - na maioria dos casos, ambas - no amplo e iluminado apartamento de 225 m² da artista plástica Marilu Beer, em Higienópolis. "Morávamos em uma casa grande na Vila Madalena e viemos para cá, por razões familiares, há um ano. Tive de deixar muita coisa para trás", conta Marilu, que arranjou o novo lar sem se importar em definir um estilo, harmonizando o que mais lhe toca o coração entre o que foi juntando durante a vida.

 

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Argentina, Marilu veio para o Brasil com 13 anos, mas até hoje, passadas cinco décadas e para seu desgosto, não perdeu o sotaque. Dona de um traço rápido, como sua fala, define-se como artista de técnica mista. É gravadora, pintora, escultora, designer de móveis, decoradora, "tudo sem título", embora tenha frequentado a Escola de Arte Brasil, onde predomina, bem a seu gosto, um espírito antiacadêmico. Começou a ser reconhecida pelo trabalho com metais. "Mas tive de dar um tempo porque fiquei sem digitais (por causa da manipulação de substâncias químicas)", lamenta. Hoje trabalha mais com poliestireno e suas peças podem ser vistas em quase todas as bienais do mundo.

 

Ao mudar para Higienópolis, Marilu quis deixar o apartamento, que já era espaçoso e iluminado, ainda mais amplo. As árvores da Praça Buenos Aires, próxima, "entram" na sala através de um espelho colocado no fim do janelão. "Mandei tirar o excesso de portas e diminuí o número de ambientes", diz. O living ficou unido ao jantar. Na sequência, separados por portas de correr, seu escritório, o do marido e o único dormitório. No corredor, enfileiram-se o lavabo, a cozinha e o banheiro do casal.

 

Marilu fez um mix na decoração do living. Na parede principal, há gravuras japonesas, um quadro do americano Richard Serra, outro de Gregório Gruber e um tecido prata com círculos concêntricos assinado por Issey Miyake. Junto à mesa de centro, fechado numa caixa de vidro, um colete de plumas do amigo Aparício Basílio, estilista morto em 1992, e um protetor de lareira de ferro, do suíço John Graz.

 

A cadeira de couro projetada por Lina Bo Bardi fica ao lado de uma poltrona Charles Eames e à frente de um banco de Zanine Caldas feito de uma única tora. A luz tênue do começo de noite vem das canelas de lâmpadas fluorescentes envolvidas por gelatina especial e luminárias de diferentes estilos - uma levíssima, de papel arroz, de Isamu Noguchi, outra do mago da luz alemão Ingo Mauer, uma lâmpada dos anos 30 e arandelas art déco. No piso, tapete tibetano de camurça e algodão da By Kamy.

 

FILOSOFIA

Inventora, Marilu personalizou a mesa de jantar. Fez ela própria a estrutura de ferro e comprou o tampo de mármore recortado na L’Oeil. "Aí resolvi pintar de acrílico branco. Agora que está descascando está ficando mais bonita", constata. Sobre a mesa, a maior obra do apartamento, de sua autoria: uma pintura em técnica mista, feita a partir de uma prancha de surfe, que ela chama de O Entre e explica: "É o mínimo espaço de tempo do presente, segundo o filósofo francês Gilles Deleuze". As obras da artista custam entre R$ 500 e R$ 35 mil no Ateliê Paulista.

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Marilu Beer cultiva ainda um lado teatral, que se reflete de modo sutil na sua própria figura - cabelos vermelhos puxados para trás, olhos pintados de preto - e mais intensamente em detalhes do décor do apartamento, como o rosa das paredes da cozinha; fotos do japonês Kazuo Ono, dançarino de butô, no lavabo; um busto da Biba, loja de loucuras da Londres dos anos 60, e as hollywoodianas cortinas (uma vermelha e outra dourada) que substituem portas nos armários. "Não é à toa que me chamam de Marilu Almodóvar. Tenho muito do Pedro. Acho que somos almas gêmeas."

 

BOA IDEIA

Marilu Beer não queria quebradeira nem gastar muito para fazer o projeto de iluminação de seu apartamento. "Tive a ideia de fazer uma coisa tipo industrial, mas sem aquela frieza das fábricas", conta. A solução encontrada pela artista foi instalar canelas no teto, por onde passa a fiação, e envolver com gelatina para cinema e TV (espécie de celofane) as lâmpadas fluorescentes. "Escolhi a cor âmbar, para dar aconchego. Sobre os quadros, usei spots. Fui tudo eu mesma que fiz."

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