Silêncio, por favor

Na última edição da feira Maison & Objet, que aconteceu no mês passado em Paris, móveis e objetos pensados para promover momentos de quietude e contemplação

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Por Marcelo Lima
Atualização:
Prato Secret, com design de Jules Julien para a TH Manufacture Foto: MAISON&OBJET/DIVULGAÇÃO

Tudo começa como uma espécie de brainstorm entre colegas, determinados a detectar um tema que, no entendimento dos participantes,seja capaz de sintetizar a atmosfera do momento. Muitas questões vêm à tona até que, após receber o aval de todos, o assunto em questão passa a ser decupado em três segmentos: a realização de um filme, de um livro e a montagem de uma mostra.

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Assim tem sido desde 2002, ano da fundação do Observatoire de la Maison: comitê que cataloga, a cada edição da feira francesa Maison & Objet, uma em janeiro, outra em setembro, as novas tendências de consumo ligadas ao universo dos objetos que habitam a casa. Além de consultores de estilo, como sua curadora Elizabeth Leriche, dele fazem parte publicitários, diretores de criação e críticos, todos nomes de destaque em suas áreas de atuação.

“Funcionando como um bálsamo, o silêncio tem um efeito restaurador frente à hiperatividade e o barulho incessante dos nossos tempos”, afirma Elizabeth, resumindo em uma única palavra a inspiração da temporada: Silence. Termo que, ao menos em duas línguas, francês e inglês, no entender do comitê, designa um dos maiores anseios do homem contemporâneo.

“Rapidamente a casa vem se convertendo em refúgio e templo. E para lá que nos dirigimos todos os dias na esperança de ter nossa calma de volta”, considera a curadora, que acredita no poder renovador de ambientes construídos com base em móveis e objetos mais discretos. Não por acaso, segundo ela, cada vez mais vamos nos deparar com peças livres de ornamentações e focadas no essencial. O que não significa, no entanto, uma aversão ao luxo. 

“A redução de materiais, a abstração geométrica e a ênfase na transparência correspondem ao vocabulário formal do silêncio. Mas é preciso observar com cuidado. Trata-se de um novo minimalismo. Espartano até, mas nem por isso menos sensual e luxuoso”, diz. Já no desenho dos interiores, arquitetos e decoradores terão de responder com maior eficiência ao desejo crescente das pessoas por novas formas de habitar, de maneira mais calma e tranquila.

“Acredito que esta busca surge como resposta ao nosso anseio de recuperar o controle de nossas próprias existências. De tão raro, o silêncio se tornou um elemento quase luxuoso, que tem inspirado todas as esferas da criação”, considera Elizabeth. Na mostra temática coordenada por ela na última edição da Maison, que aconteceu no mês passado em Paris, o caminho rumo à elevação, na concepção da curadora, tinha início em uma área de hiperconectada, a partir da qual o visitante se via subitamente imerso em uma zona silenciosa, onde casulos iluminados permitiam vivenciar, fisicamente, o silêncio.

Tradicionalmente ligados à ideia de ausência de ruídos, o branco e o preto apareciam, logo na sequência, em dois quartos. Um representando o dia, o outro, a noite. No primeiro, uma estante imaculadamente branca, aparecia repleta de livros e cerâmica artesanal. A seu lado, outro ambiente, praticamente vazio, a um só tempo contrário e complementar, surgia, quase na penumbra, para sugerir os mistérios da escuridão.

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Conforme a rota prosseguia, uma sala de atmosfera mais leve e arejada, repleta de objetos transparentes, feitos de materiais terrosos, madeira crua ou tecidos rústicos, como o feltro, encorajavam uma postura mais contemplativa, enquanto outros pareciam sugerir pequenos e silenciosos rituais, como o da tradicional cerimônia do chá japonês, por exemplo.

A esse propósito, a curadora recorre ao livro a “História do Silêncio”, do francês e Alain Corbin, para quem quietude não deve se confundir com a mera ausência de ruídos. “ Hoje em dia essa é uma noção praticamente esquecida. Nossas registros auditivos foram distorcidos, diminuídos, não são mais sagrados.No passado, a intimidade de um lugar ou de uma casa costumava ser definido pelo silêncio que prevalecia ali. Precisamos de perder o medo do silêncio!”, resume ela.

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