Por uma casa em Transição

Retrato de um momento de aceleradas transformações, a mostra contempla a felicidade

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Por Marcelo Lima
Atualização:

Há pouco mais de uma década, a palavra felicidade, se aplicada aos domínios da casa, dificilmente apareceria desassociada da ideia de refúgio e de recolhimento. Diante de um mundo que se preconizava hostil e ameaçador, com poluição ambiental, violência urbana e mudanças climáticas, viver bem, significava, antes de tudo, viver de forma segura: junto aos seus e desfrutando do bem-estar reconfortante oferecido pela tecnologia.

 

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Mas, se de lá para cá, muito pouco mudou – ao menos do ponto de vista ambiental –, o mesmo não pode ser dito do panorama que se observa dentro da casa. Espaços menores. Aumento do números de pessoas que vivem sós. Filhos que prolongam sua estadia junto aos pais. Desconfiança no poder da tecnologia. Urgência de fazer da natureza – ou do que resta dela– parte integrante da cena doméstica. Realidades que já batem à porta. E reclamam soluções.

 

Retrato instantâneo desse momento de transição, a Casa Cor 2010 abre suas portas na nesta terça-feira sob o tema "Uma casa sustentável e feliz". "Os dois assuntos são hoje indissociáveis", declara Angelo Derenze, presidente do evento, fazendo coro com a atmosfera otimista que se instalou entre profissionais e fornecedores com a aproximação da Copa do Mundo e os ecos do crescimento econômico.

 

"Será a maior edição de todos os tempos, com um número recorde de 105 ambientes, distribuídos em quatro eventos – Casa Cor, Casa Hotel, Casa Kids, além da inédita Casa Talento – distribuídos em 56 mil m² de área construída", antecipa Derenze. A meta este ano é atrair um público estimado de 160 mil pessoas durante os 53 dias da mostra – que vai até o dia 13 de julho.

 

Espécie de cereja do bolo dentro do denso programa oferecido pelos organizadores, a Casa Cor 2010 representa apenas a última etapa de um roteiro eclético, que tem seu início com uma homenagem ao urbanista Lúcio Costa, em alusão aos 50 anos de Brasília: um monumental hall, assinado pelo arquiteto Maurício Queiroz. Essa é a porta de entrada do Casa Hotel, exposição dedicada ao setor hoteleiro, que traz suítes decoradas sob inspiração de celebridades da televisão, música e esportes.

 

A partir dali, após atravessar diversas praças e jardins, o visitante poderá conferir a estreia do Casa Talento, mostra de arte e design, sob a curadoria de Catherine Duvignau (uma das organizadoras da Cow Parade) que pretende apresentar ao público, móveisobjetos decorativos, acessórios e luminárias. "A ideia é instigar não apenas os visitantes, mas também os profissionais, oferecendo a eles um acervo desafiador e alternativo", afirma Derenze.

 

Logo depois de percorrer uma alameda repleta de edifícios comerciais (a maioria deles projetada para atender aos patrocinadores), o visitante chega à Casa Kids. Voltada para a produção de ambientes infanto-juvenis – quartos, casas de bonecas, áreas de lazer –, é uma exibição à parte, onde as novidades do setor são apresentadas sob a ótica do entretenimento.

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Finalmente, tendo como sede um edifício de linhas neoclássicas originalmente do Jockey Club paulistano, além de três imóveis anexos e de funcionamento independente, a Casa Cor propriamente dita se apresenta como um elegante condomínio implantado em pleno hipódromo. Este ano, a mostra está em um formato mais compacto, com 53 ambientes.

 

Primeira constatação? Mais do que uma noção um tanto vaga do que seja sustentabilidade (em vez de focar no processo construtivo, a maioria dos profissionais ainda insiste em olhar apenas para as qualidades estéticas dos materiais reciclados e certificados), na Casa Cor 2010 a ideia de felicidade se liga fundamentalmente às possibilidades de convivência, dentro e fora de casa.

 

Não por acaso, a necessidade de otimizar os ambientes – e ainda torná-los mais atraentes para seus visitantes – surge como principal premissa dos projetos. Cozinhas equipa-das com áreas de estar. Quartos com espaço para preparação de alimentos. Salas com mesas de jogos. O que não falta na mostra são ambientes de vocação híbrida, adaptados às mais diversas funções. E motivações.

 

"O piano não é decorativo, não", sinaliza Jóia Bergamo, autora do living da residência. "Pretendo reviver os saraus. Promover encontros todas as noites." Cheia de glamour, a Sala da Cinéfila, decorada por Neza Cesar, também conta com todos os ingredientes para fazer do hobby de sua moradora uma atividade a ser desfrutada em conjunto e não mais um prazer relegado a um solitário home theater.

 

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Na decoração, ao que tudo indica, o momento é de inverter o foco. Ao contrário da tendência cocoon, tão em alta nas últimas décadas do século passado, da casa ainda se espera hoje proteção e aconchego. Mas, igualmente, amplas possibilidades de entretenimento. O decorar exige que se olhe com muita atenção para dentro da casa (texturas ressaltadas, superfícies agradáveis ao toque, harmonia de cores). Mas também – e muito – para fora.

 

É hora de se encontrar o exato ponto de equilíbrio entre o construir e o contemplar. Entre o reservar e o compartilhar. Mais arejados, quartos e salas, na mostra deste ano, se projetam para além dos limites da casa, se abrem para novas possibilidades construtivas. Surgem semivarandas, semiterraços. Espaços onde as funções e sobrepõem. "Não se trata apenas de uma janela. Também é, mas funciona como um expositor", adverte Fábio Galeazzo, ao apresentar a esquadria de seu Terraço Gourmet.

 

Por toda a casa, os ambientes permitem que sua configuração seja alterada a qualquer momento. Além disso, por meio de divisórias mais ou menos transparentes, é possível se delimitar – ou não – barreiras. Não por acaso, o vidro lidera entre os materiais.

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Digno de nota, o Estar do Marchand, de Maria Fernanda Correa, é exemplo desse tipo de versatilidade aplicada aos interiores. Em um espaço contínuo, se sucedem áreas para trabalho, descanso, refeições. A atmosfera é intimista, mas nem por isso o ambiente está menos adaptado ao desempenho do profissional.

 

Quase sem delimitação entre o dentro e o fora, o Loft Sustentável, de Fernanda Marques, sintetiza a nova onda, com seus interiores que se abrem para o meio externo, captando as nuances da paisagem. Cultivado como um jardim, o espaço interno se enche de plantas. Tratado como living, o terraço ganha mobiliário exclusivo. Sem mais dentro ou fora.

 

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Em sintonia com o momento atual, por vezes, o designer de interiores e o paisagista coexistem em um mesmo profissional. Caso de Ugo di Pacce, um estreante na Casa Cor, mas que soube incorporar com maestria a paisagem do Jockey a seu Espaço Para a Nova Era. Ou ainda de Débora Aguiar, que, mesmo diante de quase incontornáveis dificuldades construtivas, fez questão de agregar um tronco de árvore a seus interiores.

 

A imponência da sede principal do evento, com suas proporções clássicas, também marcou presença no imaginário dos decoradores. Detalhes construtivos muitas vezes menosprezados nos projetos (amplo pé-direito, vigas aparentes, desenho das janelas) desta feita ganharam destaque nos projetos.

 

"A arquitetura foi para nós um elemento chave. Não só determinou a modulação do espaço, como nos serviu de ampla inspiração", diz Antonio Ferreira Junior, que, em parceria com Mario Celso Bernardes, desenvolveu o Studio da Jovem Senhora. Já o uso alternativo dos materiais e a originalidade das escolhas –receitas infalíveis para se fazer render qualquer ambiente – fez de um espaço parada obrigatória. Trata-se do Porão criado por João Armentano para abrigar o rato da Casa: um já forte candidato ao título de proposta mais polêmica desta edição. Irônica, provocativa, mas extremamente bem executada, a instalação é na verdade uma brincadeira do arquiteto em torno da apropriação de um pequeno ambiente – coisa rara em se tratando dele – por um rato extremamente bem-sucedido. Um animal que reproduz em sua morada o estilo e as referências do arquiteto paulistano.

 

Na prática, uma grande caixa de surpresas que instiga e convida à investigação, coerentemente afinado com o mote do evento. Afinal, quem duvidaria da felicidade de tão distinto rato? Um dos raros momentos da mostra em que se reconhece o brilho de uma composição verdadeiramente autoral. A manutenção de um estilo próprio e identificável. Em poucas palavras, um golpe de mestre.

 

 

 

Uma divisória de vidro se destaca na Sala da Cinéfila, de Neza Cesar, onde a sofisticação marca presença

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