Peixe voador

Lucas Isawa cria luminárias escultóricas que nadam no ar

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Por Roberto Abolafio Jr.
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O artista visual Lucas Isawa sempre teve mãos habilidosas. E tirou partido disso cedo. "Comecei a fazer pipas para vender aos 9 anos", conta, já às voltas, na época, com hastes de bambu, linha e papel de seda - materiais com que produz hoje belas luminárias escultóricas em forma de peixes. O objetivo do trabalho na infância era juntar dinheiro para comprar uma bicicleta, como um primo havia conseguido. "Éramos pobres", explica. A atividade se estendeu até os 14 anos, e a bicicleta não veio. "Mas bola, outros brinquedos e doces, sim." No Museu da Casa Brasileira, as tais luminárias estão em cartaz na exposição Um Novo Cardume até 6 de julho. Aquele homem de olhos puxados e baixa estatura chega ali com um gorro de lã verde enterrado na cabeça. Pelo biotipo e o jeito despojado de vestir, nem parece ter acabado de completar 50 anos. Um numerólogo, aliás, disse-lhe que os anos terminados em zero sempre trariam transformações - afirmação, segundo ele, procedente. "Acabei de perder meu pai e entro nessa nova fase das esculturas", conta, como a ratificar a mensagem oculta nos números. Nissei, Lucas pertence a uma geração de filhos de japoneses vindos para o Brasil não na primeira leva de imigrantes, em 1908, mas sim no final dos anos 20, após a 1ª Guerra Mundial. Toyomasa, o pai, depois chamado de Carlos, contava 7 anos. Pelo que Lucas se lembra, o avô paterno, Toyotomi, um topógrafo, comprara uma propriedade em Registro, interior de São Paulo, onde a idéia era dedicar-se à agricultura. Não deu certo. A família, então, transferiu-se para a Capital, num sobradinho perto da Praça da Árvore. A avó fazia os partos no bairro. A mãe, Tsugiye, tinha só dois anos naquela época. Hoje estão todos mortos. Bandeirinhas para Undokai São poucas mas marcantes as referências que o artista guarda de sua origem. É o caso de outros tantos nisseis, com a ancestralidade perdida "em brumas, rasteiras e fumaça", como escreveu o poeta. Ainda que não se quisesse isso. "Aprendi a falar japonês antes mesmo de português", lembra Isawa, que freqüentava clubes nipônicos onde apreendia tradições como ikebana e origami. Na escola japonesa Akama Kakuin, atual Colégio Pioneiro, na Vila Clementino, costumava dedicar-se às aulas de trabalhos manuais. Também fazia bandeirinhas para enfeitar as competições Undokai, nas quais os alunos se dividiam em dois grupos, vermelho e branco, em referência à bandeira do Japão. Faz um ano que Lucas se reencontrou com o arquiteto Marcelo Suzuki, no escritório de quem trabalhou como desenhista quando tinha 16 anos. Desde então ficaram amigos, não daqueles grudados, mas do tipo que de tempos em tempos se vêem e a ligação permanece intacta. Ao conhecer as luminárias, Suzuki propôs a exposição para casar com o centenário da imigração japonesa. "É um tipo de objeto feito artesanalmente, que vai além do conceito de produto e se aproxima da arte", opina o arquiteto e curador do evento que ocupa três salas pintadas de cinza, com areia e pedras no chão. Como no elemento água, os peixes parecem voar, leves, mudando de posição ao sabor da brisa, a transparência e a volumetria enfatizadas pela luz. Nômade, Lucas já se mudou umas 25 vezes de casa e de trabalho. Foi office-boy, trabalhou em hotel e montou planadores em Arraial D''Ajuda, no sul da Bahia. Estudou Arquitetura no Mackenzie, mas não completou o curso. Teve três filhos. Está separado. Na trajetória de altos e baixos, não faltam histórias e lembranças entrecortadas. Hoje reforma lojas de atacado no centro da cidade e que pertencem, em geral, à comunidade coreana. Fazia uns 30 anos que ele não manuseava bambu, linha e papel. Foi só algum tempo atrás que, morando em Jarinu, voltou de fato à artesania. "O trabalho veio mais forte e conceitual", considera. No processo de criação, às vezes ele parte de desenhos - espécie de fantasia a guiar a realidade, que até pode tomar um rumo diferente, orgânica que é. Filho de Ogum Alguns visitantes, ao deparar com as luminárias, querem conhecer o artista. "Não tenho ateliê, tenho estilete", brinca Lucas, que chega a levar 30 dias para finalizar uma peça. Comercializar os trabalhos é algo com que não se preocupa. Os expostos serão presenteados a quem lhe deu força ao longo do caminho. "Não quero ficar escravo de uma produção volumosa", explica o autor, que buscou inspiração na tradição Koinobori, aquelas carpas coloridas de tecido ou papel que tremulam no céu e parecem nadar contra a correnteza. A carpa, vale lembrar, é um símbolo oriental de persistência, bravura e sucesso. A partir dela pode-se fazer a analogia com esta história e a de outros imigrantes japoneses. Não dá para negar, porém, que a cultura brasileira os influenciou. Um exemplo é o próprio Lucas, que, quem diria, tem uma queda pela umbanda, religião na qual descobriu ser filho de Ogum, aquele que produz suas próprias armas para a guerra. "Por isso tenho habilidades manuais e sou meio mulherengo", confessa.

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