PUBLICIDADE

Entre cheios e vazios

Projeto delimita clareira em área tomada por prédios em São Paulo e concilia necessidade de privacidade e desejo de amplitude

Por Marcelo Lima
Atualização:
A escada moldada de concreto foi deixada aparente a pedido dos proprietários Foto: Fran Parente/Divulgação

Quanto à localização – uma travessa da agitada Rua Oscar Freire, no bairro dos Jardins –, aquele terreno estreito, de 380 m², onde funcionava uma cozinha industrial, não deixava nada a desejar. “Meus clientes moravam em um dos prédios da região, mas sempre acalentaram o sonho de viver em uma casa. Desde que não tivessem de mudar de bairro”, diz a arquiteta Clara Reynaldo. 

PUBLICIDADE

“Por isso, assim que colocaram aquela área à venda, eles correram para fechar o negócio”, conta ela. “Foi quando viram um de nossos projetos publicados e nos contataram”, lembra sua sócia, Cecilia Reichstul. Como o casal adora andar a pé, o endereço bem servido de atrações era ideal. A única preocupação era com a questão da privacidade. “Eles queriam se sentir ao menos um pouco resguardados em meio aos edifícios da vizinhança. Queriam que a construção oferecesse um mínimo de privacidade”, pontua Clara.

Desafio aceito, a dupla se debruçou sobre duas exigências aparentemente inatingíveis, tendo como cenário uma região tão congestionada. “Eles queriam que a casa se convertesse em um espaço de respiro. Aberto no limite, mas reservado”, resume a arquiteta. E foi assim que, unindo as duas pontas – a ideia de um oásis urbano e a exigência de privacidade –, a dupla teve a ideia de edificar no local uma grande caixa de concreto aparente.

“O volume que abriga o primeiro pavimento de certa forma resume o conceito desse projeto. Nele foram feitos rasgos, criando situações de vazio, sem devassar a intimidade dos moradores. Tais recortes, por sua vez, foram preenchidos por jardins que, além de proteger, podem ser vistos de todos os ambientes, criando uma conexão visual entre os pavimentos. Situação, aliás, reforçada pelo pé-direito duplo da sala de estar”, resume Clara.

Toda essa racionalidade construtiva contribuiu para a celeridade das obras. Entre construção e mudança, foi consumido apenas um ano. “No andar superior posicionamos a área íntima, com duas suítes na parte da frente do lote e a suíte principal ao fundo. O andar conta também com uma sala de televisão/escritório aberta para uma varanda pergolada, resultado de um desses recortes que abrimos na caixa de concreto”, conta Cecilia. 

Contornando todo o andar superior, uma jardineira serve de transição entre área externa e interna. No térreo, a construção aparece dividida em dois blocos, tendo, à frente, o hall de entrada e o lavabo e, ao fundo, a cozinha e as dependências de serviço. Entre eles, o living, com pé-direito duplo, surge soberano, tendo ao centro um dos pontos altos do projeto: sua circulação vertical, transformada, desde o início, em ponto de referência.

“No projeto original, a escada ficaria colada com o lavabo. Mas no meio das obras meus clientes gostaram tanto de vê-la solta, como que flutuando, que pediram a alteração. Eles queriam que ela ficasse o mais escultórica possível”, conta a arquiteta. Contornado por esquadrias de alumínio, o living aparece quase totalmente aberto para o exterior. Condição que impôs, sem dúvida, condicionantes de outra ordem para o projeto de paisagismo, conduzido por Rodrigo Oliveira. 

Publicidade

“Pedimos a ele um jardim para ser contemplado, mais que usado. Daí o predomínio de uma cobertura mais densa, capaz de proteger os moradores da curiosidade de seus vizinhos”, comenta Clara, que se confessa plenamente satisfeita com o trabalho do paisagista. “Um dos pontos altos dessa casa é a junção das formas orgânicas do jardim em contraponto com a dureza do concreto aparente. Sobretudo a relação que se estabelece entre os vazios da caixa de concreto e seus jardins.”

Por isso, talvez, por qualquer ângulo do qual se observe a casa a sensação é de uma amplitude bastante superior a seus 395 m² de área construída. “É de fato um privilégio morar em um bairro tão bem servido de comércio e serviços, mas o fato de o lote estar cercado por prédios, com certeza, foi um desafio e um norte para o projeto. Aquele desejo de abrir tudo teve de ser tomado com cautela, para não se perder a sensação de se estar em casa. De um local, enfim, gostoso de se ficar”, conclui Cecilia.

Cobogós da Elemeno V separam a garagem do jardim Foto: Fran Parente/Divulgação

Dupla função

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Cobogó é o nome dado a um tipo de elemento vazado, de cerâmica esmaltada, que tem sua inspiração nos muxarabis mouros: tramas de madeira muito usadas na arquitetura do Oriente e durante a colonização pernambucana. Com a dupla vantagem de delimitar espaços sem comprometer a luminosidade e a continuidade visual, seu uso tem sido retomado em consequência não só da onda vintage que invadiu a decoração, mas também por seu desempenho. Além de criar um peculiar efeito visual, com base na interação de cheios e vazios, os blocos podem ser eficientes do ponto de vista ambiental, ao impedir a incidência solar direta e proporcionar melhor aproveitamento da ventilação natural. Desenvolvidos nos anos 1920 pelos engenheiros pernambucanos Amadeu Oliveira Coimbra, Ernest August Boeckmann e Antônio de Góis, seu nome deriva da combinação das sílabas iniciais dos sobrenomes dos criadores, que patentearam o invento.

 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.