Eliminar barreiras foi a solução para revolucionar a concepção de duplex de 50 metros quadrados

Dupla de arquitetos entendeu que a forma mais eficiente de atender ao desejo do cliente, sem deixar o ambiente sufocante, seria derrubando paredes

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Por Vivian Codogno
Atualização:

Abusar sem receios de uma informação de design contemporâneo e causar impacto visual. Essas foram as diretrizes fornecidas por um jovem médico, que vive sozinho, ao propor para João Conrado e Gabriel Ceravolo, do escritório Conrado Ceravolo Arquitetos, a reforma de seu apartamento, um duplex adquirido diretamente da construtora na região do Parque Ibirapuera, em São Paulo.

“O proprietário queria um apartamento em que os visitantes entrassem e dissessem um sonoro ‘uau!’. E acredito que, depois de muitas conversas em busca da excelência, tenhamos chegado lá”, brinca Conrado. “Por isso, em respeito ao estilo pessoal dele, investimos em uma composição pouco convencional. Ao abrir a porta de entrada, os convidados percebem isso e sentem o impacto”, completa o arquiteto.

Com as paredes derrubadas, ambientes foram separados visualmente pelo material que reveste o teto Foto: Maira Acayaba

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Ao avaliar os 50 m² que envolvem a residência e a distribuição dos cômodos, a dupla de arquitetos entendeu que a forma mais eficiente de atender ao desejo do cliente, sem deixar o ambiente sufocante, seria eliminar o máximo de barreiras físicas, para proporcionar fluidez ao espaço. Em outras palavras, eles derrubaram o máximo de paredes possível e conceberam espaços integrados entre si e que se delimitam visualmente a partir dos materiais de composição do teto.

“Na cozinha, apostamos em uma cobertura de madeira, que aquece e oferece uma sensação menos impessoal do que o comum. A sala de estar foi revestida por concreto queimado, que conversa com a proposta de informação contemporânea. Já a sala de jantar recebeu um teto de gesso, o mais tradicional da casa. Sem dúvida, tudo isso foi construído de forma intencional”, explica Ceravolo.

Cozinha foi 'encaixotada' com carvalho americano Foto: Maira Acayaba

Sob essa perspectiva, a cozinha mereceu uma atenção especial por causa do espaço. Ou da falta dele. Com apenas 7 m², o ambiente precisou ganhar profundidade para parecer mais amplo. O truque, no caso, foi misturar as texturas do carvalho americano, madeira de tonalidade mais clara que envolve todo o ambiente, transformando-o em uma espécie de caixote, com uma cor escura na pia, armários e outros equipamentos. Uma viga de sustentação, que, no projeto original, ficava exposta sobre o teto, foi escondida pelo revestimento, medida que deixou esse teto uniforme.

“Gostamos mesmo é de criar volumes”, diverte-se Conrado. “E, na cozinha deste apartamento, conseguimos estabelecer volumes bem definidos. Quando olhamos o todo, apesar de ser um apartamento pequeno, a sensação é de amplitude. Para nós, foi uma questão de transformar um limão em uma limonada”, conta o profissional.

Fórmica preta texturizada foi utilizada em armários da sala de jantar Foto: Maira Acayaba

Outra transgressão da qual os arquitetos se orgulham foi a de abusar da mesma cor preta – aplicada na cozinha – em formatos e ambientes em que ela é pouco usada, quando se trata de projetos mais convencionais. Na sala de jantar, por exemplo, o truque foi cobrir uma das paredes com fórmica preta texturizada, material mais barato e pouco aplicado em revestimentos. A ideia era catalisar a luminosidade, tanto externa quanto artificial, no cômodo.

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Neste momento da reforma, a escolha do material que revestiria a parede foi ponderada pelo segundo morador da casa: o pequeno cachorro de estimação, que poderia desgastar alguns outros tipos de madeira, ‘acidentes’ que seriam evidenciados pelo contraste com a cor. “Evitamos revestimentos mais comuns, como a laca, pois sabíamos que marcas de arranhões ou mordidas, brincadeiras comuns para cachorros que vivem em apartamentos, apareceriam logo”, conta Ceravolo.

“O preto, em muitos casos, oferece um recurso visual de moldura e, por isso, ressalta a iluminação. Ele dá mais profundidade em vez de oferecer uma sensação de menos luminosidade, conforme muita gente pensa”, explica Ceravolo. “O escuro remete ao túnel. Ele não limita, muito pelo contrário. Quando utilizado em perspectiva, como neste caso em que aparece no fundo do apartamento reformado, a sensação é justamente de profundidade. Porém, não o utilizaríamos no teto, pois diminuiria o pé-direito visualmente”, completa Conrado.

Mais uma vez, a escolha de investir na cor demandou intercalar a finalização com outros materiais mais leves, que contrastassem com a atmosfera sisuda do preto. Diferente da técnica adotada no revestimento do teto de cada cômodo, o piso do andar térreo do duplex foi uniformizado com madeira do tipo perobinha, mais clara e informal. “Em respeito à personalidade do morador, tomamos cuidado para não deixar o apartamento sério demais. Por isso, usamos a cor preta em pontos em que a perspectiva visual conversasse com o acolhimento e o conforto dos demais elementos”, explica Conrado.

Em razão do tamanho reduzido do apartamento, até mesmo as pequenas brechas de cada ambiente foram aproveitadas pela dupla de arquitetos com alguma função utilitária. Logo abaixo da escada que dá acesso ao quarto, foi construído um pequeno bar, que se tornou um dos pontos preferidos da casa, tanto para o morador quanto para os profissionais que o projetaram. A mesma madeira que envolve a cozinha foi usada para formatar um nicho que abriga bebidas e acessórios de coquetelaria, ao mesmo tempo em que decora uma parede que ficaria ociosa logo na entrada da residência.

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Abaixo dele, uma porta para a adega completa a configuração. “Costumamos brincar que a planta de um apartamento compacto é como o projeto de um barco. Cada curva e cada espaço precisa ser muito bem planejado”, reflete Conrado. “O bar deu um aproveitamento estético para uma área que está muito na entrada do apartamento”, explica o arquiteto.

Com uma proposta escultórica, a escada passa por cima do bar e leva o morador ao segundo pavimento do apartamento, onde transformações radicais também foram realizadas pela reforma. Na planta original, duas suítes dividiam o acesso a um mesmo terraço e o excesso de paredes deixava o andar com uma ventilação limitada e pouco acesso à luz natural.

Closet do projeto original do apartamento foi mantido e quarto recebeu proporções de suíte maste Foto: Maira Acayaba

A estratégia, nesse caso, foi novamente a de transformar. O closet de uma das suítes foi mantido e um único quarto foi formatado em volta dele, uma vez que o morador não desejava manter o segundo dormitório. O cimento queimado empregado no piso foi misturado ao cimento branco para suavizar a tonalidade acinzentada. O banheiro da suíte, por sua vez, recebeu um detalhe que chama a atenção dos visitantes: uma banheira praticamente escondida por uma estante de madeira e alguns degraus de mármore branco.

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“Abrimos todo o andar de cima e fizemos praticamente uma suíte master com o closet todo iluminado”, explica Conrado. “A configuração anterior não fazia sentido para um morador solteiro. Um apartamento assim jamais seria projetado para uma família e, se em algum momento for o caso, terá de passar por novas modificações”, pondera o arquiteto.

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