Efeito camaleão

Um lugar que se confunde com a natureza: assim Arthur Casas fez sua casa de praia

PUBLICIDADE

Por Olivia Fraga
Atualização:

Em meio à Floresta de Guararu, em Iporanga, no Guarujá (SP), o arquiteto Arthur Casas observa as árvores e acompanha os pássaros com a prancheta no colo. Quando está ali, imerso na natureza que só os trópicos possuem, Arthur parece sentir-se senhor daquelas terras. A mata e o vento - que sopra, sopra - parecem ser só dele. A sintonia entre ele e a natureza é tamanha que, volta e meia, Arthur interrompe a entrevista para fazer a defesa do que julga ser o maior patrimônio nacional: "A Mata Atlântica é a cara mais bonita do Brasil. Praia de águas cristalinas há aos montes, do Caribe à Indonésia. Florestas, não", diz. "Você está na mata, e andando pouco, chega até o mar, o que é ótimo." Baseado nesses valores, o arquiteto paulistano deixa claro por que foi procurar aconchego no litoral norte de São Paulo. Afinal, a casa de praia, ao mesmo tempo sofisticada e simples, mais parece uma casa de campo - o projeto é cercado de vegetação local. Impatiens (as populares marias-sem-vergonha) bordejam as áreas laterais e a trilha de cascalho que acompanha a descida do barranco, e é quase imperceptível, tamanha quantidade de plantas nativas. A praia fica um pouco longe. Mas isso, definitivamente, não importa. O arquiteto diz que seu objetivo era fazer um projeto capaz de se integrar ao verde. "Não quis criar um ambiente. A idéia era mimetizar a casa no espaço." E mimética ela é. Sucumbindo à paixão de Casas pela floresta, a fachada se reveste de painéis de madeira cumaru de cima abaixo (R$ 84 o m², na Jamal Madeiras). As réguas de madeira têm larguras variáveis (6 cm, 10 cm e 20 cm) e se espalham pelo piso da sala e no deck dos fundos, onde fica a piscina, pequena e disfarçada: revestida com pastilhas de vidro, ela pode ser fechada por uma estrutura de madeira. Embora grandiosa, a casa pouco se faz notar entre as árvores, graças ao desempenho de panos de vidro de quase 6 metros de altura - os maiores já executados no Brasil (produto especial da Santa Marina, preço sob consulta). Os pesados painéis de vidro são retráteis, mas seus movimentos são facilitados por trilhos. "Foi a maior ousadia do projeto. Quando a empresa veio instalar, parecia que a Nasa tinha chegado ao Guarujá!", diverte-se Casas. Construído em linhas simples, o projeto resolve-se com figuras geométricas de desenho reto. Dois caixotes comunicam-se entre si por um deck de madeira (no térreo) e pela passarela interna semelhante a uma "ponte". Abaixo da passarela (que esconde o telão e concentra a passagem de cabeamentos para as instalações elétricas), um amplo ambiente de estar, que se espalha até os fundos da casa, onde ficam a mesa de jantar, a piscina e o deck e, nos blocos construídos, o lavabo, a cozinha (bancada de silestone branco zeus, por R$ 975 o m², na Mont Blanc) e o escritório. No nível superior estão os quartos, cujo acesso é feito pela escada com degraus de madeira que parecem flutuar, assentados diretamente na parede de alvenaria. De um lado fica a suíte do casal, com tatames em volta do colchão, traço típico de Arthur, que tem apreço pelo Oriente. De outro, a sala íntima e o quarto da filha do arquiteto. Na área de lazer dos fundos, mais um efeito mimético: uma testeira de aço patinável (aço corten) unifica os blocos no alto da construção (vendido pela Construmet, custa R$ 9,10 o kg do aço). Objetos contam a história do dono. Arthur, fã de artesanato, exibe peças de barro e madeira da África do Sul, Zanzibar, Marrocos, Chile e de feiras pelo Norte do País. O rosto de um velho, esculpido em madeira por Nicola, artista de Olinda, está com o arquiteto desde 1985, quando fez uma longa viagem de moto pelo Brasil. Ainda assim, pela quase total neutralidade do espaço, tem-se o privilégio de admirar as cadeiras Bertoia entre a cozinha e o living (R$ 314 cada uma, na Tok&Stok); cadeiras Del Rey, de Michel Arnoult; o pendente BPL, de poliéster, da designer sueca Camilla Diedrich, e a cadeira Costela, de Martin Eisler (modelo semelhante por R$ 1.200 na Desmobilia). Seu jeito de intepretar a realidade e transformá-la em arquitetura está para ser lançado em livro, o primeiro que assina. São Paulo na Arquitetura de Arthur Casas é projeto antigo. São 20 projetos dos últimos três anos, erguidos em cidades como Paris, Tóquio, Nova York, além da metrópole que serve de norte para o arquiteto. "O livro explica como São Paulo influenciou meu trabalho", conta Arthur. A casa de Iporanga também está lá.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.