Design feito para o poder

Pierre Paulin, que sempre teve seu nome associado ao governo francês, ganha retrospectiva em Paris

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Por Maria Ignez Barbosa
Atualização:

Talvez por ter tido seu nome sempre associado à burocracia governamental do país, desenhado para o Palácio do Elysée, o Louvre e para o ateliê de pesquisa e criação do Mobilier National, o francês Pierre Paulin não tenha até agora vivido a mesma notoriedade glamurosa de um Philippe Starck ou de um André Putman, conhecidos compatriotas no ramo. Aos 80 anos, feitos em dezembro passado, com festa organizada pelo setor cultural da Embaixada francesa em Nova York e uma sucessão de exposições montadas por galerias de arte dentro e fora da França, Pierre Paulin parece estar chegando lá - e com pompa e circunstância. Se não ao efêmero mundo das estrelas - é figura discreta e disciplinada -, certamente ao panteão dos grandes designers do século 20. Em Paris, nos domínios da Manufatura dos Gobelins, um conjunto de edificações do século 17, na galeria de dois andares que é aberta ao público apenas para exposições temporárias, a grande mostra Pierre Paulin, o design no poder, foi inaugurada em janeiro e estará aberta até 27 de julho. A retrospectiva não só homenageia e celebra o designer, mas também faz o público descobrir suas criações que já se tornaram cult. E ainda mostra, ao lado de uma seleção de peças históricas escolhidas pelo próprio Paulin, como se dá essa relação quase missionária de servir ao país por meio do design. Bem antes de ser descoberto pelo presidente Pompidou, Paulin já chamara a atenção da empresa Thonet, que o contratou, em 1952, para desenvolver novos materiais para marcas americanas, como Eames, Saarinen e Bertoia. Foi, no entanto, a colaboração de 50 anos com a holandesa Artifort, conhecida fabricante de estofados, que ajudou a definir seu estilo revolucionário - uma junção do escultural com o funcional e da forma do corpo com o desenho em peças, como a cadeira Oyster, a Mushroom, a Tongue e a Ribbon, que voltou recentemente a ser produzida. Além do design futurista, as cores alegres dos tecidos stretch e as estampas ousadas do designer têxtil Jack Lenor Larsen fazem com que suas criações pareçam ainda tão arejadas e contemporâneas como nos anos 60. Inicialmente, devido ao gosto pela simplicidade e à recusa a qualquer efeito lírico, preferia que suas criações fossem identificadas apenas por números. Os móveis inovadores de Paulin antecipavam, de certo modo, nessa metade do século 20, uma revolução social por meio do estilo de vida que propunham. No final dos anos 60, o governo francês o faz aproximar-se dos talentosos artesãos do novo ateliê de pesquisa e criação do Mobilier National, fundado em 1964 por André Malraux. Veio a incumbência da renovação da ala Denon, no Museu do Louvre, em seguida, a redecoração dos apartamentos privados do presidente Pompidou no Palácio do Elysée e, mais tarde, em 1983, a criação de móveis para o gabinete de trabalho de François Mitterrand. Em 1990, Pierre Paulin declarava: "Sou um servidor do poder, de todos os poderes". Em outra entrevista, em 2005, explicava: "Em relação ao poder, tratei da sua representação pelo viés do funcionalismo. A volumetria das peças era uma das dimensões, uma reverência". Pierre Paulin nunca pareceu ter problemas por ser um servidor da burocracia. Sabe que normalmente os governos não dão atenção ao design, a não ser, de quando em quando, no caso de governos totalitários. Sabe e aprecia, no entanto, que, na França, o Mobilier National seja um guardião do mobiliário representativo, seja ele da monarquia ou da república. Mobiliário de guerra Não foi por acaso que ele próprio escolheu para incluir na mostra os móveis de campanha de Napoleão. Confessa-se um apaixonado por eles: "Quando vi as embalagens das tendas e das cadeiras, os sacos de juta, as inscrições em estêncil, tudo isso me fez pensar nas embalagens do exército americano. Imagine almofadas de inflar, camas dobráveis de metal, cadeiras também dobráveis como se pode ver hoje, dois séculos depois, nas grandes lojas". Ele questiona o porquê de, na França, ter se conseguido ser moderno só em épocas de guerra. A exposição, atualmente na Galerie des Gobelins, vem provar que Pierre Paulin conseguiu o oposto: fazer com que a França - e bem no seio da burocracia - aceitasse ser moderna. Não sem algum esforço. "Tudo o que desenhei para o público são coisas que eu amei fazer para mim ou que amaria possuir eu mesmo. Lidar com o poder é outra coisa. Tinha de responder às necessidades do mandatário. Pompidou desejava a modernidade. Queria coisas novas com materiais novos. Queria produzir um choque. Já Mitterrand era diferente.Tinha necessidade de estar ligado à tradição. Aprendi a usar a madeira de forma sólida, apesar das formas complexas que tentava dar a ela. Foi um trabalho sofisticado em torno de técnicas que remetiam ao passado, feito com os profissionais do ateliê". Daí os móveis, encomendados por Mitterrand, terem sido pintados de azul com toques em vermelho, as cores da França. Já Pompidou, mais vanguardista, deu, de saída, claras determinações. Nada de obras in loco. Barulho, então, nem pensar. Fazia questão de que tudo fosse reversível. Paulin não se deu por achado. As limitações lhe serviram de estímulo. Criou módulos para revestir as paredes e montou o que dizia serem "peças dentro das peças". O salão das pinturas, o fumoir, a sala de jantar, tudo ganhou cara nova em tons de bege-claro, muito aconchego e harmonia nas formas curvas e funcionais dos estofados, mesas, estantes e tapetes. Vale a visita que começa focando o conceito de uma administração moderna e passa pelas escadarias rodeadas de cadeiras de diversas épocas, evocando o móvel como representativo do poder, e engata, já no segundo andar, na reprodução dos ambientes idealizados para Georges Pompidou. Em seguida, os sofás, revestidos pelos chamados "envelopes têxteis", as peças icônicas do mundo pop feitas para a Artifort e, num grand final, o sofá Toune, última criação de Paulin para o Mobilier National (nese@estadao.com.br).

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