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A arte volta para casa

Em seu apartamento, o artista multimídia José Marton cerca-se de obras de arte, que costumam estar em museus

Por Marcelo Lima
Atualização:

Logo na entrada, as paredes, com obras de Rosângela Rennó, testam os nervos de quem visita: de um lado, dois quadros com textos fluorescentes, informam que À noite é lindo! De outro, brotando da superfície, uma fotografia "velada" mostra uma garota no genuflexório. Logo abaixo, outro texto, abordando um ataque terrorista. Na sala de estar, o impacto fica por conta da escultura de Marcius Galan: um compacto bloco de granito, que retrata a obra Eva, de Victor Brecheret. Iran do Espírito Santo também está bem representado por meio da densa poltrona, branca e laqueada, que atesta mais uma vez sua habilidade em transformar em arte o banal do cotidiano. Virtude também exercitada por Valeska Soares e sua enigmática Strange Love, obra que ocupa a lateral do ambiente, formada por inocentes bebedouros para beija-flor, só que apresentados como garrafas de soro e em combinação fatal: vinho no lugar de água e bocais de flores de chumbo. Houve um tempo - não muito distante - em que a arte, antes de ser confinada a museus, habitava a casa. Celebrava, estimulava, falava de lugares distantes, de paraísos perdidos. Mas, acima de tudo, era capaz de fazer do morar uma experiência mais rica e ampliada. Como acontece, por exemplo, neste apartamento de 250 m², situado no bairro do Paraíso, habitado pelo artista multimídia José Marton - legítimo representante da nova geração de colecionadores paulistanos: profissionais empenhados em fazer de suas casas, antes de tudo, uma área de recuperação sensorial e estética. "A minha intenção foi fazer a arte conviver com a decoração. Quando compro arte, não compro para decorar, mas sim para colecionar. Não queria uma casa que se parecesse com uma galeria, mas incorporar a arte aos interiores, sem a pretensão de fazê-la se sobrepor à função do morar", explica Marton, satisfeito em finalmente morar em um apartamento construído entre as décadas de 50 e 60. "Admiro a arquitetura da época, seus espaços bem iluminados, com paredes e pé-direito generosos. Namorei este prédio por 10 anos. Um dia, passando por aqui, encontrei uma unidade disponível, aluguei e dei início a uma reforma que se estendeu por três meses", conta. Além da troca de pisos, os trabalhos de reforma envolveram pequenas, mas definitivas mudanças. "No lugar de um dos armá- rios, instalei uma porta de correr para promover a interligação das áreas íntimas com a cozinha e com as salas de jantar e almoço. Às vezes mudanças simples fazem grande diferença", pondera. Menos radical - mas não menos impactante -, a sala de jantar mergulha em referências românticas. A obra de Marilá Dardot - mesa que sai da parede e oferece uma xícara de café - por exemplo, é um convite ao bem viver enquanto, logo acima, Sandra Cinto mira o infinito em sua A Ponte para o impossível: uma cama entre dois despenhadeiros. O ambiente conta ainda com visitantes inusitados: formigas desenhadas a lápis, que saem do assoalho, mordem folhas de ouro espalhadas pela artista Lina Kim e fogem com o tesouro pela janela. No centro, a mesa Você, para seis pessoas, desenho de Marton, com tampo em espelho desgastado. Em plena continuidade, a cozinha, em pauferro e desenhada pelo artista, se abre totalmente para o ambiente e para a sala de almoço. Palco de mais uma das atrações - um dos quadros que integram a série Linhas, de Vik Muniz. Já no corredor que liga a sala aos quartos, um enorme backlight de Keila Alaver se sobressai, retratando crianças com o rosto substituído por caras de bonecas antigas, como em uma foto de família. No quarto do artista, duas gravuras de Lygia Pape numa das paredes e uma obra de Leda Catunda, que retrata um jardim em pedaços de tecido, roubam a cena. Para apreciar tudo isso, Marton lançou mão da chaise LC6, de Le Corbusier, que ele trouxe de uma de suas viagens. No escritório anexo - que funciona também como quarto de hóspedes - as obras remetem ao universo da literatura, como no Rayuela, de Marilá Dardot, ou no trabalho, de Odires Mlászho - uma enciclopédia toda entrelaçada. Ou seja: uma ocupação que estimula música, leitura, enfim o conhecimento. Acostumado a montar telas e chassis na década de 80, Marton começou a compor sua coleção na época. Tempos em que condições de investimento ficavam em segundo plano e nos quais, à medida que se apaixonava pelas obras, o artista propunha trabalhos em regime de troca. "Tenho obras de artistas consagrados, mas continuo investindo nos jovens. O que mais me encanta neles é a capacidade de levantar dúvidas sobre tudo que está estabelecido", diz. Hoje, seu acervo reúne cerca de 400 peças entre pinturas, desenhos, fotos, gravuras, objetos e esculturas com foco na arte conceitual, sobretudo de artistas da década de 80 e 90. Em alguns casos, peças que exigem grandes espaços para sua instalação, o que determinou rigor redobrado na hora da exposição. "Escolhi cerca de 150 peças. Além de dialogarem entre si, tomei todas as precauções para evitar que uma interfira na leitura da outra", conta. Ele acrescenta: "A arte propõe um permanente questionamento, o que faz com que esteja sempre mudando as coisas de lugar, acrescentando, suprimindo objetos. Gosto da minha casa e por isso me ocupo dela. Arte, arquitetura, moda e design. Trabalho com esses elementos e sou impregnado por eles. Mas, por amar tudo isso, minhas escolhas são espontâneas, divertidas. Não levo nada tão a sério. Eu vivo isso".

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