O que as empresas têm feito para melhorar a nossa qualidade de vida?

Flexibilidade e diálogo com superiores são apontados por pesquisador americano como medidas importantes para criar um bom ambiente de trabalho

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Por Ludimila Honorato
Atualização:
'Os países com as empresas mais produtivas do mundo são aqueles que têm os melhores benefícios para seus funcionários', diz Ron Goetzel, pesquisador americano especialista em avaliação da qualidade de vida nas empresas. Foto: Ludimila Honorato/Estadão

Ambiente agradável, horários flexíveis, equipe motivada e ainda realizar atividades que dão prazer e trazem algum tipo de ganho para a sociedade. Quem não desejaria um emprego assim? No entanto, esse talvez seja um cenário utópico - e um dos sinais disso é justamente a alta incidência de doenças relacionadas ao trabalho. 

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Segundo uma pesquisa do Instituto Global de Bem-Estar, por exemplo, nas companhias em que as necessidades dos funcionários não são importantes, o nível de estresse entre eles chega a 41%. Já as empresas 'cuidadoras' - que se preocupam com a qualidade de vida de seus colaboradores - apresentam um índice bem inferior: apenas 17%.

No Brasil, nos últimos anos, a concessão de auxílio-doença devido a transtornos psicológicos aumentou em 20 vezes, de acordo com dados do Ministério da Previdência Social. Isso preocupa porque o estresse está relacionado às seis principais causas de morte: doença cardíaca, pulmonar, câncer, acidentes, cirrose e suicídio. O problema é tão sério que, em outro estudo, pesquisadores apontaram que seria melhor ficar desempregado do que estar em um trabalho de má qualidade.

E o que pode ser feito para melhorar isso? Para o pesquisador Ron Goetzel, vice-presidente de consultoria e pesquisa aplicada da IBM Watson Health, a chave está em fazer as pessoas se sentirem confortáveis enquanto trabalham. "Quando você gosta do seu trabalho, você coloca mais de você mesmo nele, oferece algo mais preciso", disse ele, com exclusividade, ao E+. "É como se as empresas falassem: 'olha, queremos nos ajudar, mas queremos ajudar você também'", acredita.

Professor da Universidade de Johns Hopkins, nos Estados Unidos, Goetzel é referência em avaliação e pesquisa da qualidade de vida nas empresas. Ele veio ao Brasil a convite da Associação Brasileira de Qualidade de Vida para participar de um congresso nacional sobre o tema e do Encontro Científico do Instituto Coalização Saúde. Confira a entrevista a seguir:

Muitos estudos já mostraram que, quando funcionários estão felizes ou satisfeitos no trabalho, a empresa inteira está bem. Quais os indicadores de que essa relação está funcionando? Pela minha experiência pessoal, quando você gosta do seu trabalho, você coloca mais de você mesmo nele. Você gosta do emprego, das pessoas, dos resultados, e isso está alinhado com o seu propósito de vida, com o que você quer fazer, com as contribuições que você quer dar para o mundo. Essa é a chave para se ter certeza de que as pessoas gostam do trabalho delas, do chefe e do ambiente de trabalho.

Imagine que o seu trabalho te oferece boa comida, oportunidade de fazer exercícios, você não tem de trabalhar muitas horas, pode estar com sua família, com seus amigos, dormir o suficiente. Você se sente bem e vai oferecer um trabalho mais preciso. Os empregadores que dão essas oportunidades que te fazem se sentir bem sobre o seu trabalho estão dizendo: "nós queremos nos ajudar, mas queremos ajudar você".

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Mas não se trata apenas de implementar esses serviços ou programas de bem-estar. Os funcionários precisam querer participar deles. Como mudar essa mentalidade? Você precisa descobrir por que as pessoas querem ser saudáveis. E, então, perguntar: "como você pode ser saudável?" É preciso fazer a conexão entre saúde, vida e bem-estar. [Os funcionários] têm de sentir que estão fazendo isso por eles, não pelo chefe ou pela companhia. 

E que tipo de ações as empresas estão implementando para melhorar o bem-estar dos funcionários? Há maneiras diferentes pelas quais a empresa pode demonstrar que se preocupa com seus funcionários e garantir um ambiente seguro e saudável, ou seja, sem barulho excessivo, sem ar tóxico, com equipamentos de segurança (quando necessário e obrigatório).

Há ainda os investimentos em programas, o tempo livre para que as pessoas frequentem esses programas, a criação de espaços de alimentação com comida saudável, a proibição do fumo nos ambientes fechados. Algumas empresas têm espaço para tirar uma soneca durante o dia, e outras possuem um centro médico ou clínicas de saúde dentro do próprio prédio. Enfim, são formas de garantir que os funcionários estejam bem e seguros. 

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E sobre saúde mental? Estresse é um problema comum ao redor do mundo, pode causar depressão e ansiedade. Isso faz com que os funcionários se afastem do trabalho por algum tempo. O que tem sido feito em relação a isso? Há dois níveis de saúde mental: um é a pessoa e o outro é a organização. Para a pessoa, se você tiver problemas na vida, se não estiver se dando bem com a família, se sentindo solitário, estressado ou com um problema mental diagnosticado, como depressão, ansiedade ou mesmo psicoses, é preciso pedir ajuda. A pessoa precisa de alguém para aconselhamento, um médico.

Mas, às vezes, a empresa também deve ajudar. Às vezes, as pessoas querem chegar mais tarde ou mais cedo, ou sair mais cedo. Talvez você tenha filhos para cuidar e precisa de mais um tempo fora do trabalho, então flexibilidade é importante. Há também a quantidade de esgotamento [no trabalho, chamada de síndrome de burnout]. Se alguém trabalha por muitas horas sem ajuda, sem comida, sem descansar, isso não é bom. Então, a estrutura da empresa tem de funcionar para que as pessoas se sintam apoiadas. Nesse cenário, o papel do superior direto, do líder, é muito, muito importante. O líder precisa ser alguém que encoraje, se preocupa e apoia.

O nível de estresse entre funcionários que trabalham em empresas que não se preocupam com eles chega a 41%. Foto: Pixabay

Algumas pessoas têm medo ou se sentem culpadas por falar sobre questões que estão afetando negativamente o trabalho delas. Como elas podem conversar com os superiores sem esses sentimentos? Às vezes, você tem de se sentir confortável com seus superiores, mas às vezes não. Então, é preciso existir um departamento que possa ajudar. A pessoa pode ligar para alguém ou visitar um conselheiro que tenha o poder de ajudar. Mas a forma mais eficaz de resolver isso é a empresa ter diretores e líderes que também falem sobre os seus problemas. Se eles enfrentam uma batalha contra o álcool, a depressão ou a ansiedade, por exemplo, e falam sobre isso e encorajam os outros a procurarem ajuda, os funcionários se sentem melhor. É como se dissessem "ok, até meu chefe está falando sobre essas coisas".

O ambiente de trabalho é um lugar difícil para as mulheres. Elas são menos pagas, têm menos visibilidade. As empresas estão mesmo prestando atenção a isso e criando políticas para elas? Sim. Antes de tudo, você precisa incluir as mulheres em todas as reuniões, em todas as decisões importantes. Pesquisas mostram que as equipes mais efetivas são aquelas em que mulheres estão nelas, não apenas homens. Então, se você quer que algo seja feito, se quer ser muito produtivo, é preciso incluir as mulheres e pagar a elas o mesmo que você paga aos homens. As mulheres são mais empáticas, sentem mais do que os homens. Eles veem muito preto e branco, enquanto elas enxergam melhor as nuances de cinza, e isso é importante para que as coisas sejam feitas: apreciar as sombras, ouvir a opinião das pessoas. Mulheres são um ponto muito importante para o sucesso dos negócios. Na IBM, onde trabalho, tem uma mulher CEO e muitas líderes mulheres. 

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A licença parental tem sido um tema muito discutido. Algumas mulheres são demitidas depois de voltar da licença-maternidade também. É uma das questões que as empresas estão tentando mudar? Sim. Nos Estados Unidos era pior do que no Brasil. Lá, você tem de manter o emprego para a mulher depois da licença-maternidade, mas você não a paga. Aqui no Brasil, as mulheres são pagas quando estão em licença-maternidade. Eu acho que é um meio de manter os talentos. Se você tem uma mulher muito talentosa trabalhando para você, e ela decide ter um bebê, você vai querer garantir que ela se sinta confortável para voltar ao trabalho. Minha equipe é formada por maioria mulher e todas engravidam em algum momento. Elas dizem: "preciso de mais tempo em casa com meu bebê, gostaria de um horário flexível" ou "posso trabalhar de casa?", "meu filho está doente hoje, posso tirar um dia livre?". Sim, tudo isso é possível. Precisamos nos adaptar às mulheres e permitir a elas o tempo de maternidade, porque quando elas voltarem, serão mais dedicadas ao trabalho.

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E a licença-paternidade? A mesma coisa. Às vezes, os homens preferem cuidar dos filhos quando as mulheres voltam ao trabalho, e tudo bem. Mas se eles decidem dividir o cuidado com os filhos, tudo bem, eles devem ter as mesmas vantagens que as mulheres.

E é assim nos Estados Unidos e na Europa? Na Europa é muito melhor. Eu não sei todas as políticas, porque cabe à companhia decidir o que fazer, mas há cada vez mais empresas pensando à frente e oferecendo licença-maternidade, paternidade e horários flexíveis. Nos Estados Unidos, especialmente para os trabalhadores jovens, esta é a coisa mais importante que eles buscam em seus empregos: flexibilidade. Eu digo para minha equipe: "Você pode trabalhar das 9 horas às 5 horas, mas isso pode ser das 9 horas da noite até as 5 horas da manhã se quiser o resto do dia livre". Horários flexíveis são muito importantes para a vida das pessoas.

Como o Brasil tem se comportado nessas questões? Alguma sugestão de como podemos melhorar? Eu acho que o Brasil está assumindo a liderança por apreciar muito o papel dos trabalhadores, sua saúde e também a força de trabalho da mulher. Acho que o País está fazendo muitas coisas boas e aprendendo boas lições de outras partes do mundo onde há programas [de saúde nas empresas]. Há, sim, uma atuação bem progressista nesse sentido. Mas, embora existam boas ideias, o País precisa de mais dados para convencer os diretores de empresas de que isso é uma coisa boa a ser feita. É preciso coletar dados sobre qualidade de vida, e não apenas dados de custos.

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