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No parto humanizado, o protagonismo é da mulher - mas acesso esbarra em problemas de gestão

É o método com menores taxas de mortalidade, porém exige equipe disponível 24 horas por dia

Por Hyndara Freitas
Atualização:
O parto humanizado ainda gera desconfiança e muita desinformação, mas tem as menores taxas de mortalidade . Foto: Pixabay

O parto humanizado tem sido cada vez mais debatido, porém o tema ainda causa dúvidas e preconceito em muita gente e, na prática, ainda está distante de ser uma opção para a maioria das mulheres - as escolhas ainda são entre o parto normal e a cesariana.

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De acordo com dados do Ministério da Saúde, 55% dos partos realizados no Brasil são cesarianas. Na rede privada, o procedimento representa 84,6% dos partos e, na rede pública, 40%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o índice não ultrapasse 15%, fazendo com que o Brasil seja recordista desse tipo de parto no mundo. 

Por isso, no início deste mês, o Ministério da Saúde lançou diretrizes de assistência ao parto normal no Brasil. O documento foi desenvolvido com base em evidências científicas e quer garantir que toda mulher tenha direito de elaborar seu plano de parto, podendo escolher como e onde quer dar à luz. A mulher pode parir na posição que quiser, na água, na cama, no chão, em casa ou no hospital. 

Mais informação, mais acesso e mais respeito são os ideais das diretrizes que visam a maior autonomia da mulher no pré-natal e no parto e, consequentemente, a diminuição no número de cesarianas desnecessárias. O parto normal deve ser mais humanizado. Mas o que significa isso?

O obstetra especializado em parto humanizado e membro da Rede de Humanização pelo Parto e Nascimento (ReHuNa) Braulio Zorzella define como "o parto do século 21, o mais atualizado em relação às pesquisas científicas e segurança", e diz que é caracterizado por uma tríade. "Evidências científicas, que mostram maior segurança neste método em comparação a cesárea e ao parto normal tradicional; a autonomia da mulher, que tem poder de escolha e protagonismo no parto; e atuação de uma equipe transdisciplinar, em que todas as pessoas entendem um pouco da área uma da outra, mas cada um tem uma função, treinada e disponível 24 horas por dia para a realização do parto."

Já o obstetra Alberto Guimarães, criador do programa Parto sem Medo e autor do livro homônimo, acredita que a principal diferença deste parto para o tradicional é o protagonismo da mulher. "No parto convencional, a preocupação de quem vai para a assistência [médicos] é de fazer coisas no lugar da paciente. Já no parto humanizado, o médico vai com o olhar de respaldar o que a mulher precisa fazer no trabalho de parto. No normal, muito do procedimento é feito pelo médico, ao passo em que o parto humanizado se preocupa com a necessidade da mulher em trabalho de parto no sentido de garantir escolhas. Então é um parto onde você devolve para a mulher o protagonismo do parto e insere novas figuras como a obstetra, obstetriz, a doula, como forma de diminuir o desconforto", explica.

Entre estas figuras, uma em especial é a doula, que não costuma participar de partos normais e cesáreas. "É a pessoa que promove apoio físico e emocional, tanto no pré-natal quanto no parto. Ela ajuda na informação e no empoderamento da mulher, busca a fundo as emoções para ver quais são os medos da mulher que podem surgir na hora do parto, e vai ajudar a lidar com isso durante o pré-natal e também na logística (onde e como a mulher vai querer parir). Na hora do parto, dá apoio emocional e físico, faz algumas atividades com a gestante para melhorar a dor. Gosto de chamar as doulas de anestesistas naturais", explica Zorzella. 

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Quanto à segurança, o parto humanizado tem as melhores taxas. A OMS preconiza a mortalidade máxima de cinco mães a cada 100 mil partos e de 20 bebês a cada dez mil partos, que são, justamente, os números do parto humanizado que, comparado ao normal, tem 20 vezes menos mortes de bebês. Já na cesariana, há seis vezes mais mortes de mães na comparação. 

Mesmo com os benefícios, o parto humanizado é pouco comum - não há sequer números sobre sua ocorrência no Brasil - e há diversos motivos para isso. O problema começa nas universidades, que ainda priorizam ensinar procedimentos cirúrgicos. "Os médicos saem das faculdades achando que podem fazer tudo com um bisturi na mão. Eles têm que abrir mão do bisturi e aprender a 'não fazer nada', no sentido de deixar que a mulher faça o parto. É uma mudança de cultura que tem que ocorrer desde o início", opina Guimarães. 

Outro ponto a ser considerado é a gestão, tanto governamental quanto dos hospitais privados e planos de saúde. "Gosto de citar os 'D', das 'desnecesáreas', para elencar os problemas. No plano de gestão, são o desinteresse, o despreparo e o dinheiro. Desinteresse porque não há órgãos regulando e cobrando isso, despreparo porque os profissionais não estão acostumados a lidar com a dor do parto, com as emoções, e dinheiro porque, para mudar o que é, precisa de dinheiro, não só para instalações, mas para treinamento de pessoal", explica Zorzella.

Ao pesquisar na internet por 'parto humanizado' é comum encontrar relatos de mulheres que deram à luz em casa, ou numa casa de parto, dentro de uma banheira ou até mesmo no chão - e sem anestesia. Ao ler isso, muitas gestantes ficam com medo de dores e sofrimento, e ainda podem pensar que, com tanta tecnologia, parir desta forma é algo antiquado.

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Tudo começa com a desinformação, que leva desconfiança sobre o parto humanizado - muitas acreditam que não é seguro, que o parto será muito mais sofrido do que com uma cesárea. Braulio acredita que "o próprio sistema tira a confiança das mulheres, que acham que não vão conseguir parir 'sozinhas' e precisam da cirurgia". 

Fora isso, há todo o problema com os planos de saúde, que costumam trabalhar com cesáreas eletivas, ou seja, com hora marcada. Como os partos normal e humanizado não são procedimentos cirúrgicos, tomam mais tempo dos profissionais e não geram pagamento a mais para o médico. 

Com tantos contras, ter um parto humanizado é, infelizmente, um privilégio. Não há planos de saúde que cubram esse tipo de parto, portanto, o procedimento é realizado apenas em clínicas particulares - o valor varia de R$ 5 mil a R$ 20 mil. Na rede pública há alguns exemplos de locais que oferecem o parto humanizado, como em Belo Horizonte (MG), o hospital Sofia Feldman e, em São Paulo, a Casa Ângela, uma casa de parto humanizado que tem convênio com o SUS, porém as opções ainda são escassas. 

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"Mas todos nós que trabalhamos com o parto humanizado, mesmo em clínicas particulares, estamos na luta para que todos tenham acesso pelo SUS. Estou participando de um projeto da ReHuNa com o Ministério da Saúde para implantação do parto humanizado nos 85 maiores hospitais-escola do Brasil para melhorar, na base do ensino, as diretrizes do parto", contou Zorzella. 

As mudanças na rotina de partos no País diminuem mortalidades e "trazem de volta à emoção da mulher" no parto, opina Guimarães. "Temos que lutar para que o parto normal seja o parto humanizado, é o que deveria ser. Temos que respeitar o tempo do bebê, entender que a cesárea é só em casos de necessidade, de risco, e deixar a mulher parir com 'P' maiúsculo, e não ter esse parto medonho, em que um tem que cortar, um tem que espremer a barriga, outro tem que gritar com ela. Não cabe mais isso ao pensar em parto, isso é uma tortura", finaliza Guimarães.