Cuidados paliativos ajudam a lidar com a morte

Mesmo quando não há nada a ser feito para curar a doença, ainda existem formas de melhorar a qualidade de vida do paciente e de sua família

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Por Maria Eduarda Chagas
Atualização:

Como lidar com o sofrimento diante da morte? Foi essa pergunta que levou a oncologista Dalva Yukie Matsumoto a pesquisar sobre cuidados paliativos no início dos anos 2000. "A maioria dos meus pacientes morria e comecei a sentir uma angústia muito grande", diz. Após um tratamento doloroso e uma luta insana para prolongar a vida, a morte do paciente causava um sentimento de frustração não só à família, mas também à equipe médica. "De certa forma, descobrir os cuidados paliativos salvou a minha vida", afirma Dalva.

Hoje, a médica é uma das diretoras do Instituto Paliar, organização voltada ao desenvolvimento e capacitação em cuidados paliativos e medicina paliativa. Além disso, fundou a Hospedaria de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM/SP).

Ocuidado paliativo não é só a boa prática médica, mas umaárea de atuação,que tem como base um conhecimento técnico específico Foto: Mercurywoodrose / Creative Commons

Indicados a pacientes com doenças potencialmente mortais, os cuidados paliativos pretendem melhorar a qualidade de vida dos pacientes e de seus familiares. Entre seus princípios estão aliviar a dor, não apressar ou adiar a morte e entendê-la como parte da vida. Por tratar do aspecto físico, social e psicológico do paciente, a prática exige uma equipe com profissionais de diferentes áreas.

A OMS define os cuidados paliativos como uma abordagem que aprimora a qualidade de vida de pacientes e de seus familiares, diante de doenças que ameaçam a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas de ordem física, psicossocial e espiritual

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Ao contrário do que normalmente se pensa, os cuidados paliativos não são recomendados apenas no momento em que não há mais nada a ser feito pelo paciente. As pessoas podem recorrer ao apoio desde o diagnóstico. "O cuidado paliativo deve ter uma abordagem cada vez mais precoce com esses pacientes que têm doenças que ameaçam a vida, independente de a gente saber o desfecho do quadro", explica Germana Hunes, diretora do Hospital do Câncer IV - Unidade de Cuidados Paliativos do Instituto Nacional de Câncer (Inca).

Apoio à família. Seis meses após ser diagnosticado com câncer no cérebro, o marido da servidora pública E. - que não quis se identificar - morreu, no dia 24 de dezembro de 2015. "Não existe data boa para isso, mas essa foi muito ruim. Eu velava o corpo e via as pessoas comemorando o Natal", diz, com a voz embargada.

A servidora ficou com o marido na Hospedaria de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo em seus últimos dois meses de vida. "Lá, tive apoio, me senti segura. Sofri muito, mas foi a melhor coisa que fiz por mim e por ele", conta. Seu marido já não andava e não enxergava. A equipe, contudo, ajudava a confortá-la, além de administrar medicamentos para aliviar a dor do paciente.

Segundo Erika Satomi, geriatra e especialista em cuidados paliativos do Hospital Albert Einstein, a medicina paliativa considera que a dor é um sinal de sofrimento intenso. "A gente estuda como amenizar a dor física, seja com medicamentos, fisioterapia, acupuntura, mas também pensamos a dor de forma mais ampla". Profissionais da área acreditam que, seja um desconforto físico, emocional ou existencial, a dor precisa ser combatida.

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Morrer com qualidade. O Brasil ocupou o 42º lugar de um ranking da The Economist sobre qualidade da morte, divulgado no ano passado. O estudo considerou 80 países e levou em conta aspectos como recursos humanos, o custo e a qualidade dos tratamentos, o engajamento da comunidade e o acesso a cuidados paliativos.

A médica Dalva Yukie Matsumoto dedica-se aos cuidados paliativos desde 2001 Foto: Arquivo Pessoal

Para Dalva, a abordagem ajuda a garantir que a morte do paciente será com mais qualidade e dignidade. "As pessoas acham que, com recursos, são capazes de superar as doenças. Isso cria um prolongamento do processo de morrer, quase sempre com muito sofrimento por parte do paciente e da família", diz. Segundo a oncologista, é importante compreender que a morte faz parte da vida.

Erika acrescenta que a morte geralmente não é um tabu para quem trabalha na área. "Se antes, na faculdade, víamos a morte como inimiga, agora vemos como uma consequência natural da vida", diz. "Quando eu converso com naturalidade com os pacientes a respeito disso, a relação médico - paciente é muito fortalecida".

O Instituto Nacional de Câncer (Inca) tem a Unidade de Cuidados Paliativos desde 1998. A Medicina Paliativa apenas foi considerada uma área de atuação pelo Conselho Federal de Medicina em 2011.

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Germana também tenta entender a morte como um processo. "A morte faz parte do dia a dia e vai fazer parte da nossa história em algum momento. Tento não ver como um sofrimento sem suporte, ainda que a dor da saudade seja muito pesada, com muita significação". 

Para Germana, trabalhar na área fortalece valores importantes. "Cuidar do outro como uma prioridade dá uma solidariedade à dor e ao sofrimento e, ao mesmo tempo, uma valorização da vida", afirma. Além disso, a médica diz ser gratificante quando a família de um paciente reconhece que a pessoa teve todos os cuidados necessários antes de morrer. "Sempre que as pessoas ficam tristes quando conto o que faço, digo que não é preciso se preocupar. Estou bem", sorri.

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