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Cães treinados conseguem prever crises de hipoglicemia em diabéticos

Método pode ajudar na prevenção de tonturas, desmaios e coma

Por Marcel Hartmann
Atualização:
Cachorros treinados para detectar baixo índice glicêmico no sangue podem custar cerca de R$ 50 mil Foto: Pixabay

O nível de açúcar no sangue cai e você está prestes a ter uma crise de hipoglicemia. Mas, antes de ter um desmaio ou convulsão, seu cachorro pula em você para chamar atenção e lambe seu rosto. Ele não tem uma compaixão admirável ou um superpoder- apenas foi treinado para ser o melhor amigo de um diabético. 

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Ensinar cachorros a antever crises de hipoglicemia em seus tutores é uma técnica com potencial. No Brasil, a ideia tem público: há cerca de 11 milhões de diabéticos no Brasil - desses, de 5% a 10% (550 mil a 1,1 milhão) sofrem do tipo 1 da doença, a mais suscetível às crises, segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes.

Pacientes com esse tipo de diabete precisam monitorar constantemente a glicemia no sangue e tomar várias injeções de insulina ao longo do dia para não sofrer por conta da falta de açúcar no sangue. Sem o hormônio, as crises surgem com tonturas, tremedeira, desorientação e, em casos mais graves, desmaio, convulsões, coma e morte.

"As causas mais importantes são ficar muito tempo sem se alimentar ou usar doses de medicamentos de forma errada", explica Luiz Turatti, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes. 

A técnica de ter um cão-assistente ao lado para ajudar a se precaver contra tais mudanças no metabolismo vem sendo examinada pela ciência. Até agora, os estudos são poucos, mas os resultados são animadores. 

Uma pesquisa da Universidade de Bristol, no Reino Unido, entrevistou pessoas que viviam com cães treinados para essa situação. Como resultado, os voluntários afirmaram terem menos episódios de perda de consciência e terem se tornado mais independentes (é comum checar o nível de glicose no sangue várias vezes ao dia). O benefício costuma ser maior para crianças e idosos, que não costumam notar os sinais do corpo anteriores à crise.

Superolfato. Tudo isso se deve ao olfato superdesenvolvido dos cachorros, muito mais apurado do que o dos humanos. A hipótese é de que eles são capazes de farejar odores específicos exalados pelo paciente quando a glicemia no sangue está baixa. 

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Um desses odores seria de uma substância chamada isopreno, sugerem pesquisadores da Universidade de Cambridge em um artigo publicado no ano passado na revista Diabetics Care. No experimento, os cientistas reduziram, no laboratório, a glicemia no sangue dos voluntários com diabetes tipo 1 e viram que o nível de isopreno subiu bastante - quase dobrou em algumas pessoas. A possível explicação é de que cachorros sejam sensíveis a essa substância.

"O isopreno é um dos químicos naturais mais comuns que encontramos no hálito do ser humano, mas surpreendentemente sabemos muito pouco de onde ele vem", declarou Mark Evans, médico do Hospital da Universidade de Cambridge. Ele explica que a suspeita é de que a substância seja gerada na produção do colesterol, mas não se sabe por que o isopreno subiu em pessoas com hipoglicemia.

Treinamento. O treinamento de cães para identificar esse processo metabólico nasceu naturalmente de experiências do dia a dia. "Muitos diabéticos donos de cães diziam que o cachorro alertava quando eles estavam prestes a ter uma crise hipoglicêmica. A ideia é treinar os cães para fazerem isso sempre", diz Rocio Marin, coordenadora do Bocalán Brasil, associação nascida na Espanha que treina cães de alerta médico e está há dois anos no Brasil - hoje, com sede em São Paulo. Ela explica que, em geral, as raças treinadas são labrador, beagle, jack russel e springer spaniel. 

No entanto, até mesmo vira-latas podem ser treinados, acrescenta Jorge Pereira, diretor da CanixCorp, empresa especializada em adestramento de cães farejadores com escritório na Mooca, em São Paulo. O que importa é o perfil do animal, que precisa ser sociável. "Treinamos o filhote para identificar a substância em meio a amostras de urina, suor e hálito", diz o treinador. 

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Na base da recompensa, o cão-assistente aprende a se manifestar quando sentir o odor específico que indica uma futura crise de hipoglicemia. O alerta é combinado com o futuro tutor - pode ser um latido, uma lambida no rosto ou um toque da pata no chão. 

O investimento não é baixo: adquirir um desses cães custa por volta de R$ 50 mil. No Brasil, pouquíssimas instituições treinam cães para pacientes diabéticos - o foco mesmo é em cães para cegos. Até mesmo fora do País são poucas as organizações. Entre as mais famosas, estão a Diabetic Alert Dogs of America e a Dogs4America, ambas dos Estados Unidos. Por aqui, para cuidar - ou ser cuidado - por um desses bichos, é preciso fazer o pedido e aguardar o treinamento do pet, o que pode levar cerca de um ano a um ano e meio. 

Apesar do mercado em potencial, a procura é baixa, dizem os adestradores, muito por conta do desconhecimento da população. Mas eles dizem que vale a pena. "Um cão desses pode salvar uma vida, evitar um coma", ressalta Jorge. Desde que o cão não seja a única forma de medição, é claro. 

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"Não é a salvação dos pacientes com hipoglicemia, mas é uma perspectiva auxiliar. Hoje, ainda é precoce recomendar esse tipo de ação sozinha, sem a medição de glicose manual. Tem que esperar mais estudos profundos", diz Turatti, da Sociedade Brasileira de Diabetes.

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