Bairros antigos turbinam economia local e promovem mais ‘conexão’ com comunidade

Estudo feito em 50 cidades dos Estados Unidos concluiu que morar em bairros mais velhos pode promover hábitos mais saudáveis para a população

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Por Marcel Hartmann
Atualização:
Nos bairros mais antigos, os moradores mantêmuma relação mais próxima, constroem uma comunidade caractéristica do tempos dos nossos pais e avós, como é o caso do bairro da Bela Vista, em São Paulo Foto: Alex Silva/Estadão

Aquele ideal do calmo bairro ‘da vó e do vô’ que você tem na memória, marcado por casas e prédios de poucos andares, pequenos negócios com vendedores amigáveis, praças com crianças brincando e vizinhança simpática parece, aos poucos, ser coisa do passado. No entanto, é justamente esse tipo de região que favorece a economia urbana e possibilita uma vida mais conectada com a comunidade. 

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Essa é a conclusão de um estudo feito em 50 cidades dos Estados Unidos pela organização National Trust for Historic Preservation (NTHP), que analisou mais de 10 milhões de edifícios e concluiu que bairros com prédios mais antigos oferecem recursos que podem ajudar você a ser mais feliz em comparação a bairros novos de arquitetura mais contemporânea, com construções altas espelhadas ou casas protegidas por muros.

A pesquisa mostrou que regiões antigas têm aluguel mais barato, maior número de pequenos negócios (algo bom para a economia local), maior diversidade de pessoas (em raça, orientação sexual e nacionalidade) e maior densidade populacional (o que reduz a taxa de desocupação e diminui a necessidade de construir novos prédios). 

Segundo o estudo promovido pela organização National Trust for Historic Preservation (NTHP), regiões antigas têm aluguel mais barato, maior número de pequenos negócios, maior diversidade de pessoas e maior densidade populacional, como é o caso de Nova York, a cidade mais populosa dos Estados Unidos Foto: Pixabay

O estudo tenta validar uma teoria famosa proposta pela arquiteta Jane Jacobs no livro 'Morte e Vida de Grandes Cidades' (Editora Wmf Martins Fontes): bairros com prédios de várias 'idades' são bons para a economia e para a vida urbana. 

Nas 50 cidades norte-americanas analisadas, os bairros antigos tinham 46% mais empregos em pequenas empresas em comparação a regiões mais modernas. Segundo os autores, a pesquisa comprova que assegurar a existência de construções de décadas atrás é uma forma de manter a cidade acessível para todos. 

“Nesses bairros, são preservados valores de convivência e de interação com espaço público, os pequenos comércios e, é claro, os prédios, que são valorizados pelos moradores”, diz Carlos Ribeiro Furtado, professor da pós-graduação em planejamento urbano e regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em um estudo anterior chamado 'Older, Smaller, Better' (‘Mais velho, menor, melhor’, em tradução livre), a NTHP havia analisado três grandes cidades dos Estados Unidos: Seattle, São Francisco e Washington D.C. Descobriram, à época, que bairros antigos são preferidos por pessoas mais jovens, têm uma vida noturna mais agitada e, com aluguéis mais baixos, são um terreno fértil para pequenos empreendedores. 

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Os moradores de prédios antigos gostam de seu dia a dia efazem questão de manter um estilo de vida considerado saudável por especialistas. A cidade de Nova Orleans é a mais populosa do estado de Louisiana e é um mix de construções antigas e moernas Foto: Pixabay

"Baseado nas estatísticas, este estudo mostra que bairros com um mix de edifícios menores e mais antigos atuam melhor do que bairros com edifícios maiores e mais modernos no que diz respeito a indicadores econômicos, sociais e ambientais", escrevem os autores.

Ambas as pesquisas se conectam a outra, feita na Universidade do Arizona, que mostra que as pessoas são mais felizes e saudáveis em bairros onde podem caminhar à vontade.

Todos esses fatores são, segundo especialistas em planejamento urbano, importantes para promover a qualidade de vida da população. 

"O patrimônio não é só um edifício preservado por representar uma arquitetura. Há um papel simbólico importante relacionado à identidade e à memória das pessoas que cruzam por ali. A arquitetura condensa um modo de trabalhar, de viver, de relacionar-se", diz Mônica Junqueira de Camargo, professora de história da arquitetura na Universidade de São Paulo (USP).

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Comunidade x Individualidade. Vale ressaltar que não é que o prédio antigo faz o morador ter uma vida agradável, mas sim que os moradores de construções antigas gostam de seu dia a dia e fazem questão de manter um estilo de vida considerado saudável por especialistas.

De toda forma, quem habita a região se beneficia dessa atmosfera onde moradores mantêm uma vida em comunidade. Vizinhos se conhecem e conversam, pessoas se encontram em praças e frequentam pequenos comércios, onde reconhecem vendedores. Em suma, cada indivíduo sente que pertence a algo maior. E pesquisas científicas indicam, hoje, que um dos caminhos para ser feliz é sentir que você faz parte de um grupo. 

No bairro Bexiga, a primeira praia urbana de São Paulo para o convívio dos moradores Foto: Helvio Romero/Estadão

"Preservar a identidade do bairro faz as pessoas se reconhecerem em espaços familiares. A renovação padroniza e faz as pessoas terem uma relação mais utilitarista com a cidade, porque perdem a sensação de pertencimento. Caminhar se torna apenas ir do ponto A ao ponto B, sem aproveitar as ruas como um espaço para todos", opina Fernanda Moraes, professora de planejamento urbano na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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Resgatar essa sensação de pertencimento cada vez mais minguada na vida urbana é o que move urbanistas no mundo todo. A ideia de incorporar os espaços públicos à rotina das pessoas, fazendo-as ‘viver o bairro’, mais do que apenas ‘morar’, está por detrás dos argumentos de urbanistas. Na prática, isso se traduz nas reivindicações de investimentos em praças e parques como espaços de convívio, de calçadas mais largas para acolher pedestres e de incentivos para o uso de bicicletas e de ônibus no lugar de carros. 

É nesse sentido que bairros paulistanos como Mooca, Bela Vista ou Higienópolis, conhecidos por terem pessoas caminhando nas calçadas e pela forte vida ‘de bairro’, traduzem estilos de vida diferentes em comparação a Itaim Bibi, Brooklyn ou Jardim Europa, conhecidos por terem poucas pessoas nas ruas, pelos prédios modernos ou mansões protegidos por altos muros.

Além disso, bairros modernos costumam ser mais caros do que bairros mais antigos. Todos os 10 bairros paulistanos mais caros são conhecidos por ter uma arquitetura nos padrões contemporâneos. 1.  Vila Nova Conceição - R$ 16.446,00/m² 2.  Jardim Europa - R$ 15.449,00/m² 3.  Jardim Luzitânia - R$ 13.333,00/m² 4.  Jardim Paulistano - R$ 12.668,00/m² 5.  Itaim Bibi - R$ 12.000,00/m² 6.  Jardim América - R$ 11.473,00/m² 7.  Vila Olímpia - R$ 11.442,00/m² 8.  Cidade Monções - R$ 11.151,00/m² 9.  Vila Gertrudes - R$ 11.095,00/m² 10.  Vila Uberabinha - R$ 10.973,00/m²Segundo informações do portal imobiliário VivaReal, com dados de abril de 2017. “Quem demanda essa nova configuração urbana, de prédios altos protegidos por muros, são as classes de renda mais alta. Além disso, quando o empreendedor destrói uma área para construir novas edificações, ele vai cobrar mais para, justamente, acessar pessoas com maior renda”, diz Carlos, professor de urbanismo da UFRGS.

De fato, com a sensação de insegurança, não há nada de errado em optar por viver protegido com a família. A proteção de uma portaria, um muro alto, um carro com película escura no vidro são consequências do medo de viver na cidade. 

Apesar disso, urbanistas defendem que a solução não é ficar entre quatro paredes. Pelo contrário, a solução seria sair ainda mais às ruas. “A questão da segurança faz criar muros, e isso esvazia a cidade. Só que o porteiro não socorre ninguém. Em bairros modernos, há poucos comércios, então há menos pessoas nas ruas”, diz Fernanda, urbanista da UFMG.

Ao menos na classe média, há um esforço de retomada do espaço público - basta olhar a valorização da bicicleta ou o Carnaval que lotou as ruas de São Paulo neste ano, como nunca antes, exemplifica a professora. 

“Em relação ao shopping, a rua te oferece imprevisibilidade. Você fica mais sujeito ao que não pode controlar. Essa imprevisibilidade nos coloca frente a novos desafios e provoca questões novas que nos tiram das fronteiras. Já o shopping, não. Ele é um déjà vu de todo dia”, avalia. 

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