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Ser mãe é padecer na internet

Opinião|Você pode trocar o comentário tosco sobre aquela mãe por linhaça, por exemplo

Ou por inhame?

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Atualização:

"Também pode trocar a maledicência e o mexerico por semente de girassol", aconselharia Bela Gil  Foto: Estadão

Meu filho estava dormindo no meu colo quando entrei na fila do caixa de uma dessas lojas de construção e decoração. Um casal com um carrinho de bebê acabara de empacotar suas coisas e ir embora. A moça do caixa me deu boa tarde, olhou-me nos olhos com uma risadinha debochada nos lábios e perguntou: "Você viu essa mulher?" Eu, sem entender, disse que não, que mulher, o que aconteceu? E ela: "Essa mulher que acabou de sair. Estava com um bebê no carrinho e um barrigão de grávida! Não sei o que passa na cabeça dessas mulheres, que não se previnem!!"

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Fiquei atônita. Perguntei como tinha tanta certeza de que a gravidez daquele casal (ninguém faz filho sozinho, não é mesmo?) não era desejada e planejada. Ela deu de ombros, passou o código de barras dos meus poucos produtos no leitor e, sem responder minha pergunta, fez outra: "Crédito ou débito?"

No mesmo dia, só que pela manhã, li em um grupo de mães no Facebook uma mulher contando que no sábado à noite, em uma boate, tomou um "pito" de um cara que a ouviu dizer que era mãe. Ele a abordou, mesmo sem conhecê-la, dizendo que "deveria estar em casa, cuidando do filho, e não na balada!".

Os julgamentos e os dedos apontados começam quando o mundo nos vê grávida. Continuam fortes quando as crias nascem. Se você opta por apenas um filho é uma irresponsável, porque "a criança vai ficar mimada". Se emenda um filho no outro também é irresponsável, "não se previne". Se decide sair à noite para se divertir, bingo. Desnaturada. Se deixa de trabalhar para cuidar exclusivamente do filho, "onde já se viu abrir a mão da carreira por causa de criança?" Se opta pelo caminho inverso e ainda aceita uma promoção ou ingressa na pós-graduação depois do nascimento do bebê, mais pedras: "Seu filho tão pequeninho precisa de você!"

Falar mal da maternagem alheia is the new black, o novo pretinho básico da maledicência. Você ouve em todos os lugares. No playground, na porta da escola, no escritório. "Não dá para contar com ela para fazer hora extra. Sai todo dia no mesmo horário, para buscar o filho na escola!" Ou: "Chega sempre atrasada para buscar o filho na escola, por que não se programa e sai do trabalho mais cedo?" Haja paciência.

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Proponho aqui um exercício simples, para todos, eu inclusa. Quando vir uma mãe e sentir a tentação de julgá-la, em pensamento ou ações, reflita antes: Por que a estou julgando? Por que a maternagem/a vida/as escolhas dela me incomodam tanto? Encontrou a razão para seu incômodo dentro de você? (Queria ter a determinação/organização que ela tem de sair todo dia no mesmo horário para buscar seu filho na escola?). Então não a julgue. Não encontrou? Também não comente. Está sem clima na repartição e assim seu repertório fica restrito? Fale sobre o tempo: "Nossa, como esse verão está chuvoso!" Ou tente o futebol: "O que que ceis acharam da venda dos jogadores do Corinthians para a China?" Sempre dá certo, acreditem. "Você pode trocar o comentário tosco sobre a maternagem alheia por linhaça, por exemplo", diria a Bela Gil.

Voltemos à moça do caixa. O exercício dela poderia ter sido assim: ("Por que uma mulher com um bebê no carrinho e outro na barriga me incomoda?" Queria ter a coragem dela e ter um filho seguidinho do outro? Queria uma família linda igual a dela?) Se a resposta não fosse nenhuma das anteriores e o comentário apenas uma tentativa de puxar assunto comigo, poderia trocar a futrica por informação: "A senhora viu que todos os galões de tinta estão com 20 por cento de desconto?"

O homem da boate não precisaria de muita anamnese para descobrir que o comentário que fez à mãe foi machista. Era só se perguntar: "Eu já mandei algum amigo ir para casa cuidar dos filhos enquanto a gente estava tomando aquela cervejinha?". Então. Quer puxar assunto com uma mãe na balada e ainda por cima ser simpático? Peça para ver a foto de um dos filhos dela no celular. Certeiro. Quase infalível.

Sabe aquela sua lista com as resoluções de ano-novo que ainda estão fresquinhas, anotadas na agenda? Acrescente esta: Este ano vou parar de julgar a maternagem alheia. E feliz ano-novo para todos nós.

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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