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Ser mãe é padecer na internet

Opinião|"Por que meus irmãos brincam na minha casa e eu não posso brincar na casa deles?" Pois é, filho. Não sei.

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 Foto: Estadão

"Rapha. Você tem que morar comigo! Você é meu irmão! Ir-mão!" bradou Samuca no sábado à noite ao meu enteado, Raphael, 15 anos. E essa não foi a primeira vez que meu filho quis entender as coisas que às vezes são muito difíceis de explicar e nem vai ser a última, já que completa 5 anos em alguns dias e os questionamentos surgem a partir de agora aos borbotões. O irmão, entre timidez e surpresa, balbuciou uma explicação que não explicava nada, coitado: "Eu não posso morar com você, Samuca" e se esquivou do guri, que logo mudou (ufa!) de assunto. Samuca não se conforma de ver seus dois irmãos apenas a cada quinze dias e, do jeito dele, começa a verbalizar esse descontentamento. Mal sabe ele que os irmãos que ama tanto não estavam na maternidade quando nasceu porque era uma terça-feira, sabe como é, às terças eles nunca podem ficar com o pai. Samuca que nascesse em um sábado ou domingo de visita, oras. 

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Os primeiros "mas por quê?" começaram assim que percebeu que as outras crianças moravam com os irmãos debaixo do mesmo teto e ele não. Também não entende por que nunca é convidado para o aniversário deles. "Eu posso ir na festa dele, mamãe?", pergunta sempre ao ouvir alguém lembrar que o aniversário de um dos irmãos está chegando. Como explicar a uma criança que ela não foi convidada para a festinha do próprio irmão? Nunca consegui. "Por que eles brincam na minha casa e eu não posso brincar na casa deles?", pergunta toda vez que o carro estaciona na frente da casa onde meus enteados moram com a mãe, no domingo à noite. Pois é, filho. Não sei o que te dizer.

Você já deve ter lido vários textos que falam sobre filhos de pais separados. Sobre alienação parental. Sobre guarda compartilhada. Mas aposto que nunca, nunca mesmo, leu sobre o direito que as crianças que nascem nos casamentos posteriores têm de conviver com os irmãos nascidos anos antes. Ou no direito que os mais velhos têm de se apaixonar pelos caçulas, "meio-irmãos" nascidos de outra mãe ou de outro pai. Simplesmente porque essas crianças e jovens não têm esse direito. O pai ou a mãe é quem tem o direito de ver os filhos. E com tantos processos, recursos e acórdãos o tempo passa. O irmão menor começa a andar. Larga as fraldas. Começa na natação. O pai pensa na guarda compartilhada, empolga-se porque agora é lei. Mas fica sabendo que esse processo também demora e os mais velhos se chateiam ao perceber que nesse meio tempo o caçula escolheu o time do coração sem que eles tivessem chance de convencer o guri que o time deles era o melhor.

Um colega do jornal dia desses me contou sobre sua família. Disse que tem dois irmãos mais velhos do casamento anterior do pai e uma irmã mais nova. A história é a de sempre. Pai se separou, o casamento seguinte não foi aceito e na briga por mais dinheiro os mais velhos foram se convencendo de que o pai "era uma canalha que não valia nada", como sempre afirmava a mãe. Com a guerra entre os adultos declarada os irmãos foram se separando, por causa do conflito. Ele me conta como foi ruim a sensação de "perder" o irmão mais velho, aos 6 anos, com quem sonhava jogar futebol e vídeo-game. Não se vêem há 20 e ele, pelo menos, não pensa em se reaproximar. Já são adultos que, ao contrário das crianças, sabem colecionar mágoas como ninguém. 

Lembrei na hora de ter lido uma pesquisa que afirmava que irmãos passam 33% da vida juntos. Meu amigo tem 26 anos e contraria essa estatística. Ele diz não pensar mais sobre o assunto, mas eu penso por ele, desenterrei esse assunto da vida dele em uma tentativa de falar sobre algo que é pouco discutido, mas que me incomoda. Pais e mães em guerra têm o direito de roubar esse pedaço da vida dos seus filhos?

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Samuca quer seus 33% de vida ao lado dos irmãos. Não abre mão de nada. Tá certo, meu filho.

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Leia mais: Pai que perdeu a guarda do filho para a mãe do menino se veste de mulher "para ver se a justiça me enxerga", diz 

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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