Foto do(a) blog

Ser mãe é padecer na internet

Opinião|Por favor, não engravide nesse verão

Gravidez nos tempos do zika vírus

PUBLICIDADE

Foto do author Rita Lisauskas
Atualização:
 Foto: Estadão

 

 

Há uns 15 dias fui fazer uma reportagem sobre o zika vírus. Ainda não se tinha a confirmação oficial de que ele era o responsável pelo aumento assombroso dos casos de microcefalia em bebês no Brasil, mas era até então a principal hipótese. A única, na verdade. O zika é transmitido pelo mesmo mosquito Aedes Aegypti que também transmite a dengue e a febre chikungunya. No dia da minha matéria havia 499 casos suspeitos de bebês com essa malformação neurológica. Hoje os casos suspeitos já passam de mil e setecentos e a OMS, Organização Mundial da Saúde, já emitiu um alerta mundial sobre a doença. 

PUBLICIDADE

Tanto o neuropediatra quanto a infectologista com quem conversei não queriam que as mulheres já grávidas entrassem em pânico e achavam que não tinham o direito de aconselhar ninguém a não engravidar, mas quando a câmera desligou, disseram: "Ninguém deveria engravidar agora." Isso porque o zika vírus tem "atração" pelas células neurológicas, provoca uma inflamação no cérebro do bebê, impedindo o crescimento adequado do órgão e não há tratamento. Se a grávida for picada pelo Aedes Aegypti contaminado pelo zika, não há nada a se fazer para evitar que o bebê tenha malformação no cérebro. Pelo menos até hoje, dezembro de 2015.

Os médicos também me disseram que uma força-tarefa internacional de médicos teria de ser montada para pesquisar o zika vírus e que aqui no país precisaríamos de uma outra, para combater o Aedes Aegypti de uma vez por todas. "Teremos uma geração marcada, assim como foi com as crianças da Talidomida", vaticinou a infectologista. (A Talidomida foi um remédio desenvolvido na década de 50 e prescrito largamente na época para amenizar os sintomas de enjoo nas grávidas. E causou nos bebês dessas mulheres, como efeito colateral, malformação de braços e pernas. Cerca de 10 mil crianças nasceram com problemas até a talidomida ser proibida, em 1962.)

Para a mesma reportagem fui à casa de uma família que tem um menino de quatro anos com microcefalia. A causa da malformação neurológica do garoto, João, está sendo diagnosticada a passos lentos, já que todos naquela casa dependem exclusivamente do SUS. A microcefalia pode ter causas infecciosas (o zika vírus se encaixa aqui), genéticas e ainda pode ser causada por exposição à substâncias tóxicas e radiação. O menino João não senta, não anda, não fala, só se alimenta por sonda e ainda usa fraldas. Tem déficit intelectual seríssimo. É um menino especial que, para se desenvolver, precisa de fisioterapeutas, fonoaudiólogos, neurologistas e uma mãe ao seu lado em tempo integral.

Dias depois da matéria ter ido ao ar, um dos motoristas que prestam serviço ao programa onde trabalho, Denis, contou-me que a mulher está grávida de três meses. Perguntei se ele já tinha ouvido falar do zika vírus e se estava ciente de tudo o que estava acontecendo. Ele me disse que não, que achava que essa coisa de "zika" era um hoax da internet, uma das daquelas histórias inverídicas que o Facebook sempre espalha. Falei que não e que precisávamos então ter uma conversa. Contei a ele tudo o o que tinha ouvido dos médicos e aprendido durante a matéria e o aconselhei a fazer uma caça ao Aedes Aegypti no quintal da casa dele, na rua e no bairro onde mora. Dennis conversou com a esposa dias depois. Discutiram sobre a gravidade da situação. A esposa do Denis, desde então, faz o que pode: abusa do repelente, usa blusas de mangas compridas e calças para evitar a picada do mosquito. O casal pensa seriamente em não viajar para as festas de Natal e Ano Novo se não tiverem certeza que a cidade para onde vão está livre do Aedes. E qual cidade está?

Publicidade

Festinha infantil, sábado passado. Falo dos perigos do Aedes e do zika vírus a uma amiga, mãe de um dos melhores amigos do meu filho, logo depois dela me contar que a cunhada faz um tratamento para engravidar. Minha amiga também não sabia que a situação era tão grave. Peço que ela converse com a cunhada, com jeitinho, que pese os prós e os contras dessa tentativa de gravidez em um momento como esse. Alerto também sobre a importância que façamos nossa parte. A tática para lutar contra o Aedes é uma velha conhecida nossa: eliminar focos de água parada, que é onde o mosquito se reproduz.

A infecção pelo zika vírus pode ser assintomática ou facilmente confundida com uma gripe forte. O único sintoma mais característico surge na pele, em forma de manchas que, infelizmente, são facilmente confundíveis com as causadas por uma infecção alimentar. Não há período seguro na gravidez para infecção pelo zika vírus, explicou o neuropediatra. O primeiro trimestre é o pior, porque toda parte neurológica do bebê está sendo formada. Depois do primeiro trimestre também é grave, mas os médicos não sabem dizer quais seriam as sequelas causadas em infecções adquiridas no segundo e terceiro trimestres, porque tudo ainda é muito novo e precisa ser estudado.

Você não me pediu um conselho, mas eu vou te dar. Se possível, não engravide. Nosso verão é famoso pela dengue e, talvez, fique tragicamente conhecido como o verão dos bebês com microcefalia. Muitas crianças que estão sendo concebidas agora podem vir ao mundo cheias de dificuldades e limitações que, infelizmente, não vão embora junto com a estação mais quente do ano.

Leia mais: A nova moda entre algumas grávidas é...ter a barriga sarada. Acaba, mundo

Leia também: Por que eu não vou te visitar na maternidade

Publicidade

 

 

 

 

Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.