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Ser mãe é padecer na internet

Opinião|Médicas decidem dar à luz em casa, e não no hospital

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Atualização:

A médica Luciane em casa, sendo massageada, enquanto espera a chegada de Mariana. Foto: Elis Freitas

Luciane, Cynthia, Joana e Flávia têm muitas coisas em comum. As quatro são médicas. Seus primeiros filhos nasceram de cesárea. E os caçulas nasceram em casa, longe de hospital, depois que elas perceberam que em gestações de baixo risco a cirurgia não era a melhor forma de trazer uma criança ao mundo e uma mãe à maternidade.

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Luciane é médica da família em Conquista D´Oeste, Mato Grosso, e mãe de Pedro, 7 anos, Luíza, 3 e Mariana, 1 ano. Ela conta que sentiu um vazio muito grande depois do nascimento dos mais velhos. "O que me chateou foi eu não ter participado de nada, da minha total dependência no momento do nascimento deles", lembra. Grávida de 31 semanas de Mariana, começou a mudar o rumo que parecia já traçado para o nascimento da caçula. E decidiu que como a a gravidez era de baixo risco, a menina nasceria longe do hospital, da forma mais natural possível. "Mesmo com tudo decidido, não consegui contar ao meu obstetra. Apenas disse a ele que dessa vez não agendaria a cesárea e que entraria em trabalho de parto, que esperaria a hora que Mariana estivesse pronta", conta. Quando abriu o jogo com seu médico, que tinha sido seu professor na faculdade e feito a cesárea dos mais velhos, ouviu um "boa sorte na sua aventura". Mariana nasceu saudável e em casa, com a ajuda de uma enfermeira obstétrica e de uma doula.

A filha de Cynthia mamou no peito minutos após nascer Foto: Estadão

Cynthia, 38 anos, é médica intensivista e tomou a mesma decisão quando se viu grávida da caçula, que tem 1 ano. Também não contou aos colegas médicos e nem à família. "Queríamos evitar palpites indesejados, pensamentos negativos ou interferências de qualquer tipo, já que se tratava de uma decisão bem incomum para a maioria e estávamos muito seguros e adequadamente assistidos". Cynthia contratou uma doula, uma obstetriz e uma pediatra para acompanharem seu parto em casa. A caçula nasceu bem e Cynthia não se arrepende nem por um minuto da escolha. "Quando a equipe terminou todos os cuidados conosco e foi embora, dormimos os três juntinhos na nossa própria cama, até acordarmos com nossa filha mais velha vindo conhecer a irmãzinha pela manhã. Esse momento, só nós quatro juntos, do nosso jeito, foi o mais emocionante e pleno de toda minha vida! ", lembra.

A pediatra Joana Marini curte a caçula Ana Luísa, que nasceu no chuveiro de casa Foto: Estadão

Joana, 36 anos, é pediatra e mãe de Rodrigo, 10, Marcelo, 7, e Ana Luísa, 5 anos. Acreditava que tinha de fazer cesárea ao ouvir que o mais velho era "grande demais" e que o segundo filho e ela corriam "risco iminente de rotura uterina". "O pós-operatório da segunda cesárea foi ainda pior que o da primeira, "tanto da parte física quando da psicológica", segundo ela. "Fiquei sem ver meu bebê por quase sete horas", lembra. "Já em casa eu me senti o último dos seres, incapaz de parir mais uma vez", conta. Ela abriu mão do hospital e de médicos para o parto da caçula. Na hora de contar aos colegas sobre sua decisão, foi cautelosa. Disse apenas que teria um parto normal, mas não contou que seria em casa. Mesmo assim foi rechaçada. "Ouvi coisas como 'você vai morrer', 'vai matar sua filha' e 'você quer deixar seu marido com as crianças para criar?'", lembra.

A ginecologista e obstetra Flávia também quis que a caçula nascesse em casa Foto: Estadão

 

Já Flávia, 37 anos, é ginecologista e obstetra e mãe de Rodrigo, 3 anos e Bianca, 1. Ela lembra que quando estava na faculdade sonhava em fazer partos normais, mas foi "engolida" pelo sistema, já que o plano de saúde pagava pouco para tantas horas de trabalho exigidas pelo parto normal. Largou a obstetrícia assim que se deu conta que a cada dez partos que fazia, nove eram cirúrgicos. Quando chegou perto da data do mais velho nascer, marcou a cesárea. "Na sala de parto eu senti o impacto da minha decisão. Eu queria ver meu filho, estar perto dele, mas ele ficou apenas alguns segundos perto de mim", lembra. Ficou duas horas na sala de recuperação e só voltou a ver o filho sete horas depois do parto. "Eu me senti angustiada, desamparada, arrependida", conta. Depois de ler na internet sobre o parto em casa de uma enfermeira, viu que não precisava ter passado pelo que passou. "Meu mundo caiu. Chorei as minhas dores de não ter parido. Eu me senti uma pessoa que roubou sua própria experiência de vida", lembra. Grávida de novo, decidiu que a filha ia nascer em casa com enfermeiras obstétricas e com o mínimo de intervenção. E assim foi.

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Flávia com a filha Bianca no colo, na cama de casa Foto: Estadão

Ter o filho de parto natural e em casa foi altamente transformador para as quatro. Luciane faz o pré-natal de várias mulheres da cidade onde mora em Mato Grosso e sempre esclarece às pacientes que um parto de baixo risco não precisa ser feito por um médico. Cynthia afirma que ter se visto no papel de paciente que desejava um tratamento mais humano fez toda a diferença na sua carreira de médica de UTI.  Joana afirma que hoje é uma pediatra e médica de família melhor: "Vejo no paciente uma pessoa de direitos, que deve decidir o seu destino, assim como eu fui capaz", conta. Já Flávia voltou a fazer partos depois do nascimento de Bianca "para reescrever minha história como mulher e profissional". "Eu sou uma nova obstetra. Cada vez mais eu luto para que mais mulheres tenham acesso a um tratamento digno e respeitoso", afirma.

 

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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