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Ser mãe é padecer na internet

Opinião|Esqueça o comercial de sabonete para bebê. O pós-parto é como um show de heavy metal

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Recebi semana passada o livro recém-lançado da cantora Mallu Magalhães, "Juju Bacana", Ed. Matrix,junto com um convite da assessoria de imprensa para uma entrevista em forma de pingue-pongue com a autora - as editoras sempre promovem uma conversa com o escritor para divulgar os lançamentos. "Eba", pensei. A Mallu está grávida do marido, Marcelo Camelo, músico do Los Hermanos, o livro é fofíssimo e ela, além de escrever, ainda fez as ilustrações, também lindas.Seria uma ótima pauta aqui pro blog. Pensei nas perguntas sobre o livro e as ilustrações e, claro, sobre a gravidez. Nada invasivo, não sou dessas. Queria saber, por exemplo, quando surgiu a ideia de escrever algo para as crianças e se o bebê nasceria no Brasil ou em Portugal, já que ela e o cantor têm se dividido entre os dois países.

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Mandei as perguntas e recebi a resposta no final da semana passada. Mallu está muito ocupada com a gravidez, "melhor deixarmos a entrevista para janeiro", desculpou-se a assessora. Agradeci e como vi umas imagens de Mallu já barrigudinha, imaginei que ela estaria procrastinando o papo com a imprensa para o pós-parto, fase que consideraria "mais tranquila". Comentei com minhas amigas de Facebook porque lembrei de todas as coisas que imaginava que faria durante a licença maternidade, quando passaria 5 meses "só em casa com o bebê, sem fazer nada". Elas, que também são mães, também tinham muitas expectativas para o período. Rimos. Não sabíamos de nada, as inocentes.

Eu, por exemplo, estava cursando Tradução e Interpretação quando fiquei grávida. Faltava 1 ano para me formar. A data prevista do meu parto era dia 19 de março e as aulas voltavam no final do mês. Ia me matricular. Mas meu marido, que já era pai de dois meninos do primeiro casamento, demoveu-me da ideia. "Rita, você não tem noção do que vamos enfrentar", disse. Eu minimizava, lembrando que as aulas eram só três vezes na semana, na parte da tarde, "vai ser moleza". Ele pediu, então, para que esperasse nosso filho nascer e só então efetivasse a matrícula. Resumo da ópera: Meu filho nasceu dia 16 de março de 2010, as aulas voltaram dia 29 de março de 2010. Cinco anos se passaram e eu nunca terminei o curso.

Uma conhecida, que é advogada, contou que pretendia estudar para a magistratura durante os primeiros tempos do bebê. Achou que os cinco meses "tranquilos" iriam ajudar na preparação para ser juíza. Nunca mais pegou nos livros. Outra acreditava que o período em casa com bebês seriam meses sabáticos, uma coisa quase zen. Uma amiga também jornalista pensou que seria o momento ideal para investir numa pós-graduação. Não rolou e ela já está grávida de novo. Deixou para 2020. Lembrei também que me programei para os clássicos da Literatura Mundial - sabe aqueles livros que você já deveria ter lido e nunca leu? Fiz um montinho na cabeceira na cama. Mas ainda não abri "Guerra e Paz" do Tolstoi.

A gente riu porque nós, quando mães de primeira viagem, somos todas iguais. Acreditamos na propaganda de sabonete infantil que mostra o bebê rosinha e tranquilo e a mãe penteada, feliz e corada. Ninguém iria fazer a propaganda da vida como ela é. A não ser que o anúncio fosse de sabão em pó ou de shampoo, porque a camisola, que é a mesma durante o dia inteiro, está suja de leite. Ou de golfo. Sim. O cabelo, que não dá tempo de lavar direito ou de passar creme, muitas vezes também fica sujo de leite. E essa cena não é nada legal de aparecer no intervalo do horário nobre.

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Então eu vou contar para vocês. As primeiras semanas depois do nascimento do bebê, conhecidas como puerpério, são tipo um cd de heavy metal que vai tocar em looping. Você não consegue reconhecer as notas, a guitarra está alta e distorcida, a bateria e o baixo são densos e o vocalista está gritando na sua orelha. Normal, tá? Quando a gente sabe que o show que vai rolar é esse e não o banquinho e violão do João Gilberto, fica mais fácil aceitar e saber que não, o problema não é com a gente. Não, o problema também não é com o bebê.

Ele pode querer mamar sem parar, porque quando estava na sua barriga era alimentado o tempo inteiro pelo cordão umbilical. Ele pode chorar de cólica e nada, nada, nada do que fizer vai adiantar. Ele pode passar o dia inteiro no seu colo porque você é a pessoa preferida dele e é realmente muito assustador sair de um útero quentinho e escuro para esse mundão de meu Deus. E você pode se sentir muito, muito, muito cansada. Foi assim comigo, com as minhas amigas e com todas as outras mães do mundo.

As coisas melhoram? Claro que sim. Mas para isso você precisa de muita ajuda e compreensão. Sabe aquela visita que insiste em se enfiar na sua casa para ver o bebê? Ela vai ser muito útil se a cada "passadinha" te levar o almoço pronto. Se lavar uma louça. Colocar uma roupinha para lavar. E sair de fininho, para que você descanse quando seu bebê também decidir descansar.

Por isso, esqueça a imprensa. Os estudos para ser juíza. A pós-graduação ou os clássicos da literatura mundial. A melhor programação para a licença maternidade é apenas uma: aprender a como ser mãe.

Leia mais: Por que eu não vou te visitar na maternidade 

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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