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Ser mãe é padecer na internet

Opinião|A lancheira do Samuca (ou a busca incessante de uma mãe por produtos saudáveis em um mundo repleto de gordura trans, açúcar e outros bichos).

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Foto do author Rita Lisauskas
Atualização:

Ano passado, meio que de brincadeira, comecei a postar nas redes sociais as lancheiras que faço para o meu filho levar para a escola. Muitos amigos comentam "quero uma igual" e até perguntam se aceito encomendas.Tanta dedicação começou quando a babá do Samuca decidiu ir embora. Era ela quem cozinhava. Eu e meu marido analisamos várias possibilidades e chegamos à conclusão que o melhor a fazer era colocar o Samuca para almoçar na escola. Não ser aquela mãe que faz um almoço caprichado para o filho - porque não tenho tempo e muito menos talento - foi uma decisão difícil. E embora também pudesse encomendar para ele o lanche da tarde, decidi que as lancheiras dele seriam feitas por mim e que seriam muito caprichadas.

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A escola do Samuel tem toda uma filosofia em relação à comida: refrigerantes, doces, bolachas recheadas, chocolates e balas são proibidos. A exceção é quando é o aniversário de algum deles: daí ninguém leva lancheira. Bolo e docinhos entram em cena e isso só pode acontecer uma vez no mês - todos os aniversariantes dividem a mesma festa. Somos orientados no início do ano da importância em seguir essa determinação: não adianta nada que uma mãe faça uma lancheira toda saudável se a mãe do coleguinha driblar a orientação mandando uma recheada de porcarias.

Um dia eu e minha prima conversávamos sobre a dificuldade em encontrar a um preço justo alguns alimentos orgânicos e integrais de verdade e minha tia minimizou nossa preocupação: "a gente sempre comeu coisas com agrotóxico e estamos todos vivos". Daí lembrei que tive um câncer inexplicável aos 20 anos, que minha mãe morreu aos 55 por causa dos efeitos da diabetes tipo 1 e concordei que sim - estamos (quase) todos vivos - mas será que estamos bem?

Fazer uma lancheira equilibrada e interessante para uma criança de quatro anos demanda tempo e dedicação. Os supermercados nos ofereceram corredores e mais corredores de produtos com gordura 'trans', biscoitos e bolos recheados sempre com creme e chocolate, caixinhas e mais caixinhas de sucos que não são sucos e sim "néctar". Um dia desses vi uma embalagem que mostrava que o "suco" tinha 1% de fruta apenas (???). Procurar algo que saia desse script é para os fortes. Por isso, durante a semana, faço visita a diversos supermercados e empórios da cidade em busca de novidades.

Mas criança enjoa fácil, o que torna a tarefa ainda mais árdua. O milho cozido que mandei semana passada ele não quer mais comer, o suco de maçã que era sucesso até então de repente ele não gosta mais e por aí vai. Haja criatividade. A lancheira que preparei para hoje é básica e repito por várias vezes no mês: tomate cereja orgânico (disso ele nunca enjoa), bisnaguinha integral com queijo branco, água de côco com chá verde e uma manga - que é cortada pela merendeira apenas na hora do lanche.

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Muitos amigos comentam as fotos da lancheira dizendo que o Samuca joga tudo no lixo e sai correndo para o Mc Donalds. Outros fazem piada dizendo que na escola dele tem tráfico de chocolate e de bolacha. Eu dou risada, claro, mas sigo forte. A recompensa sempre vem. Ontem meu marido abriu uma caixa de chocolate na hora que o padrinho do Samuel chegou para uma visita. O guri fez careta e pediu: "Corta mais uma pêra para eu comer, mamãe?".

Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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