Não, eu não te amei assim que te vi.
Não te amei porque
Eu te olhei
E você tinha dois olhos
Óbvios e cômodos
Bem no meio da cara
No mesmo ângulo típico
De tanta gente errada.
Não, eu não te amei tão cedo.
Eu te amei depois.
Bem depois.
Depois de ver que sua cara
Carregava dois olhos
Cheios de angústias
e histórias
e dúvidas
e décadas
e mágoas
E depois de perceber
Que seus olhos
Também tinham medo
De química orgânica
E de física quântica
Mas que seus olhos,
apesar de tudo,
Ainda acreditavam
Em lâmpadas mágicas
Te amei quando vi
que seus olhos,
assim como os meus,
Tinham
Pálpebras que piscavam trêmulas e
Lágrimas que escorriam bêbadas
Te amei, enfim,
Porque percebi
que você poderia ser
mais do que um cônjuge lúcido
e mais do que um bálsamo sóbrio
Te amei porque
Finalmente percebi
que seria realmente você
a minha fábula sólida,
o meu último alívio
e meu único antídoto
para essa vida caótica.