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Retratos e relatos do cotidiano

Iêêêê infieeeeeeel

É preciso ter vergonha por já ter sido traído?

Por Ruth Manus
Atualização:

Praia do Leblon, posto 12, sexta-feira de carnaval. Ou você está no clima ou não está. Vai estar tudo cheio, vai ter gente com caixa de som na praia e vai ter uma bela meia dúzia de bêbados ao seu redor.

 

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Estava tudo bem, eu resolvi entrar no clima, pedi minha caipirinha e passei menos protetor solar do que deveria. Um grupo com 10 ou 12 homens e mulheres com corpos esculturais era o responsável pela trilha sonora. Pelo cenário já é possível imaginar mais ou menos o que tocou.

 

Até que, num dado momento, a voz da Marília Mendonça surgiu nas caixas de som e algo estranho aconteceu naquele trecho da praia. Muitos não sabiam a letra, mas quase todos sabiam o refrão. Na hora em que começou o "Ieeeeee infiel" dezenas de pessoas levantaram os braços e cantaram com os pulmões, o fígado e as vísceras. Devo consignar que eu também era uma delas.

 

E a cada vez que o refrão recomeçava era como se todas as conversas parassem por alguns segundos para que as pessoas canalizassem naquelas frases uma energia que estava contida, um recado que não estava dado, uma verdade que queria sair. Virei para minha amiga- que também cantava, mesmo sem ser uma fã de sertanejo- e perguntei: será que essa gente toda já foi traída?

 

E então começamos a pensar a respeito. Imagino que um percentual muito alto dos adultos do mundo já foi, é ou será traído. É horrível, eu sei, mas a Marília Mendonça não nos deixa muitas dúvidas. Mas esse texto não pretende analisar as traições. Esse texto é um texto para cornos e ex cornos, como tantos de nós.

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O que achei engraçado na praia era que ninguém tentava disfarçar o fato de berrar aquela letra de forma íntima, dando o recado a um traidor que estava em qualquer outro lugar do mundo. A verdade era: ninguém ali estava com vergonha de parecer corno. O álcool ajuda, eu sei, mas era um fenômeno muito interessante.

 

E a verdade é mesmo essa. Ninguém deveria ter vergonha do fato de já ter sido traído. As pessoas podem ter raiva, mágoa, nojo, desprezo. Mas não vergonha. Quem deve que sentir vergonha é quem trai, isso sim. E gritar IEEEEE INFIEL EU QUERO VER VOCÊ MORAR NUM MOTEL não é problema nenhum. Pode ser um infiel de ontem, do ano passado ou de 10 anos atrás. Meio mundo ainda quer dar esse recado.

 

Eu gostei de ver aqueles braços levantados. Gostei de ver gente fechando os olhos e berrando ESTOU TE EXPULSANDO DO MEU CORAÇÃO, ACEITE AS CONSEQUÊNCIAS DESSA TRAIÇÃO. Homens, mulheres, vendedores de mate, vendedoras de esfiha. Foi bom ver tanta gente colocando aquilo para fora.

 

Parece-me que a Marília Mendonça fez um bem para a humanidade. Aquele refrão é libertador. Porque muitas vezes a vida já seguiu, as pessoas estão felizes, o presente e o futuro já são saudáveis, mas um grito ficou pendente no passado. E gritar IÊIÊIÊ INFIEEEEEELLLL talvez seja uma boa forma de liberar certos fantasmas que permanecerem escondidinhos no canto do peito. Coloquem eles para fora, essa mágoa não precisa mais ficar aí.

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