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Não temos mais o direito de ficar tristes?

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Por Ruth Manus
Atualização:

 

Ontem me flagrei triste. Amanheci com saudades da minha avó, discuti logo cedo com meu marido, vi o vídeo da Cristiane Brasil na lancha, percebi que tenho que me despedir dos meus pais, que vieram me visitar e já estão indo embora. Estava triste, simples assim. Não me considerava uma vítima do universo, não pensava em me arremessar pela janela, mas percebi que estava triste.

 

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E exatamente por perceber que a tristeza derramava aquele seu líquido azul e frio pelo meu peito, percebi a dificuldade que temos de aceitá-la. Estava triste não havia nem 2 horas e eu já pensava que tinha que tomar um banho, colocar uma roupa bonita, fazer uma maquiagem e ir para o escritório, para rua ou para qualquer outro lugar onde a tristeza seja proibida.

 

Existe, sobretudo na era das redes sociais, uma proibição expressa de acolhermos nossa tristeza. Determinamos que ela precisa ir embora o quanto antes, escorraçada, sem que nem tenhamos a chance de averiguar se ela nos trazia alguma informação importante sobre a nossa vida e sobre nós mesmos. Estar um pouco triste, no mundo em que vivemos, não é uma opção. Não é permitido, não dá tempo, não é bem visto, não dá para postar stories.

 

Parece que existe um 8 ou 80 nas nossas vidas. Ou as pessoas estão ótimas (por vezes estressadas, por vezes putas da vida, mas nunca tristes) ou estão péssimas, a beira de um colapso, de um divórcio, de um tarja preta. Não há espaço para que a tristeza dê as caras com naturalidade. Ou é a total alegria ou é a total depressão. A naturalidade e a sutileza da melancolia parecem não ter vez no século XXI.

 

E é interessante o fato de que quando a alegria se torna uma obrigação constante, começa a ser necessário estar em êxtase para acreditar que somos felizes, porque a felicidade serena, em si, já não basta. É como droga, precisamos de mais, mais, mais. E parece que sempre nos deparamos com nosso maior problema contemporâneo: a falta de equilíbrio.

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Foi curiosa a sensação de decidir me dar o luxo de não lutar com todas as armas contra a minha própria tristeza. De deixar que ela se instale, trazendo aquelas coisas que só a tristeza consegue trazer: saudades genuínas, sutis arrependimentos, pequenas mágoas. Chorar com alguma calma, olhar para aquele sentimento, deixar que ele transitasse um pouco em nós, e, devagar, ver a tristeza sendo substituída por uma certa nostalgia e uma certa serenidade.

 

É claro que quando a tristeza não vai embora, as pessoas precisam buscar ajuda. Mas negar-nos o direito à tristeza esporádica também não é uma prática saudável. A sina incessante pela felicidade constante, sobretudo evidenciada nas redes sociais- onde todos parecem ter uma vida impecável, exceto nós mesmos- também tem algo de doentio. Talvez a agente precise entender que não há problema em estar triste às vezes. No fundo, talvez seja preciso estar triste às vezes.

 

 

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