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Crônicas do cotidiano

Disfarce

Ou diz: "farsa"

Por Ricardo Chapola
Atualização:
 Foto: Estadão

Ilustração: Lucas Tonon

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O bom disfarce é aquele que não precisa ser pedido. Ele sai naturalmente, numa espécie de improviso ensaiado. Precisa, é verdade, de um pouco de vocação. Também de habilidade, timing, malícia, cara de pau. Muita cara de pau. Acima de tudo, cara de pau. Seguindo a cartilha, dificilmente você será descoberto. Ontem deu certo - pelo menos acho que deu.

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Estava passando a pé por um dos terminais de metrô de São Paulo logo cedo.  Caminhava confiante, ao som de "Born to be Wild" nos fones de ouvido. As passadas eram firmes, mas não rápidas. O corpo gingava lentamente, tentando imprimir o ar de malandrão que a música pedia. No semblante, algo inclinado ao blasé, a julgar pela sobrancelha ligeiramente erguida. Tudo parece estar em slowmotion enquanto você passa. Até que, no meio do caminho, tem uma pedra. Um desnível, um degrau, sei lá, qualquer coisa que faz você tropeçar lindamente e mandar para as cucuias todo a atitude de antes.

Se você domina a arte do disfarce, dará um jeito. Após cambalear, vai inventar uma forma de fazer com que aquela acrobacia pareça algo absolutamente proposital. Depois, arrumará ainda o topete, com um sorriso no canto da boca em menosprezo ao pequeno acidente terreno que tentou derrubá-lo. E, dissimulado, seguirá seu caminho,  em câmera lenta mais uma vez, como se nada tivesse acontecido.

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A qualquer hora podemos precisar de um disfarce. Nunca dá para prever quando. Por isso, é bom estar sempre preparado, tanto para os fáceis, quanto para os mais complicados de executar. Os mais difíceis são os que precisam convencer pouca gente.  Quando, por exemplo, estamos conversando com alguém, e de repente, não mais que de repente, um perdigoto escapa da boca do interlocutor, voando direto em você. Sorte se pousar na roupa. Azar se for no rosto.  Independentemente de onde parar o projétil salivar, o constrangimento será quase inevitável. Por alguns instantes até impossível de esconder, assim como a vontade de se limpar. Quem consegue agir naturalmente em situações assim está, sem dúvida, em níveis avançadíssimos do curso do disfarce.

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É mais ou menos a mesma coisa quando nos deparamos com alguém que ostenta nos dentes da frente resquícios da refeição mais recente (esperamos nós) - uma folha de salsinha, um fiapo de carne, uma casca de feijão. Fica, além do constrangimento, a dificuldade de disfarçar o riso mal educado. Sem falar no impasse: "Aviso?", "Não aviso?", ou "Só faço um gesto discreto, apontando meu dedo entre meus próprios dentes?". Difícil escolher. Mais difícil ainda é conter a risada. Se conseguir, parabéns - você disfarça bem e também tem boa educação.

Mas jamais peça para alguém disfarçar, por mais que seja urgente. As máscaras tenderão a cair. Elas querem ser naturais, ou apenas darem pinta de que são. Pedir o disfarce é denunciá-lo involuntariamente. O disfarçador entregará o ouro, talvez por se sentir descoberto antes mesmo de se camuflar. Será um camaleão laranjado no meio de folhagens verdes. Jamais diga: "Disfarça". Se disser, vai dar errado. Aí então, você diz: "farsa".

 

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