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Crônicas do cotidiano

Cumprimentos

Oi, tudo bem? Depende muito.

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Por Ricardo Chapola
Atualização:
 Foto: Estadão

Ilustração: Felipe Blanco

 

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Tia Berenice já morreu. Era uma velhinha simpática, graciosa, daquelas que usava permanente no cabelo e tinha cara de vó. Ela gostava bastante de mim. Percebia isso pelo jeito que Tia Berenice me cumprimentava: com um beijo estalado, no cantinho da boca, onde sempre fazia questão de deixar o lembrete de seu afeto. Aquele molhadinho que nunca seca. Permanece na cara, até que decidimos abdicar dos bons modos, limpando a bochecha melecada no ombro. O gesto não representa desapreço. Eu também gostava da tia Berenice. Só não gosto do legado que ela deixou ao mundo: o beijo com babinha.

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Pior do que o beijo com babinha é o beijo que dói. Acontece com frequência, geralmente entre pessoas que não têm intimidade suficiente para trocar fluídos. Beijam então com as bochechas, que na teoria deveriam apenas se encostar. O problema é que elas quase nunca só se encostam. Elas se chocam, ainda mais se você se preocupar demais com isso na hora de cumprimentar alguém. O cumprimento vira praticamente uma agressão involuntária. Dói, dói bastante. Mas isso ninguém costuma admitir.

Cumprimentos com as mãos não doem, não envolvem saliva, o que não significa que não tenham lá os seus problemas. Suas aplicações devem ser previamente estudadas. Um colega certa vez saía do banheiro quando trombamos no corredor: "Oi, tudo bem?". Estava, até sentir a minha mão molhar. Não dá para entender um cumprimento desses senão como um claro ato de oportunismo de alguém que aproveita a vulnerabilidade alheia para se enxugar. Cara: esse não é o papel da saudação. O nome do papel que você procura é papel toalha. Puto da vida, seco a mão na calça, sem fazer muito esforço de esconder. Se estiver de bom humor, faço a operação no sigilo de um bolso.

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É difícil evitar situações como essa. Chegamos até a nos arrepender. Mas o arrependimento chega tarde: quando nos damos conta da cagada, a proposta de um aperto de mão já foi feita. A essa altura, é impossível recuar: seu colega vem sorrindo, com o braço esticado, feliz da vida porque "vai lhe usar".

Oi, tudo bem? Vai estar tudo ótimo. Só não venha com mão molhada, com aperto frouxo ou bochechadas. Nem com essas bitocas ensopadas. Nada contra a senhora viu, tia Berê? Gosto muito de você. Um beijo com babinha, onde quer que a senhora esteja.

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