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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Vinte maneiras radicais de economizar água

Com o prolongamento da estiagem e a ameaça de um iminente rodízio de água a partir de março, é preciso pensar em formas mais agressivas de economia.

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Foto do author  Renato Essenfelder
Atualização:
  Foto: Estadão

arte: loro verz

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trilha sonora: Vagalume

» Com o prolongamento da estiagem e a ameaça de um iminente rodízio de água a partir de março, é preciso pensar em formas mais agressivas de economia. Reduzir o tempo do banho, acumular roupa e louça antes de lavar, fechar as torneiras e instalar redutores de vazão são medidas louváveis, porém insuficientes.

Hora de pensar em métodos mais radicais - embora nem sempre saudáveis, ressalve-se - de poupar água.

Eis algumas ideias de racionamento para os fortes. Para os muito fortes.

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1. Substitua toda a sua alimentação por sorvetes, salgadinhos e outras substâncias inclassificáveis, embaladas e etiquetadas. Dê preferência aos importados, que usam água de outros países em sua fabricação. Não coma hortaliças até o próximo verão, no mínimo.

2. Cancele a academia. Esqueça as atividades físicas em geral. Mais sedentarismo = menos suor = menos roupa pra lavar.

3. Tome banho de chuva. Ou melhor, só tome banho na chuva. Para não passar vergonha, você pode ser discreto e fingir que está glamourosamente varrendo a calçada enquanto a tempestade desenraiza árvores em São Paulo. Quando ninguém estiver olhando (e ninguém estará, afinal, o céu está desabando), jogue xampu sobre a cabeça. Esfregue. Enxágue. Sorria. (Aplicável à lavagem de roupas e de automóveis também.)

4. Alternativamente, tome banho de lama. Dizem que faz bem para a pele. Mas atenção, não enxágue. Deixe secar e raspe a crosta com uma espátula. Arremate com um lencinho umedecido.

5. Pare de fazer a barba, homem. Pare de se depilar, mulher. No máximo dê uma aparada, a seco, com máquina.

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6. Jamais escove os dentes. Use aqueles chicletes sem açúcar que prometem efeito similar (você logo vai descobrir se funcionam). Fio dental e enxaguatórios bucais estão liberados. Dê preferência aos enxaguatórios fabricados longe do Sudeste. Aliás, não compre nada feito no Sudeste.

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7. Use mais jeans e mais roupas escuras. Durarão vários dias antes de implorarem por uma lavagem. Se estiver quente e você for homem, negocie trabalhar de bermudas. Quando implorarem por uma lavagem, ignore e siga usando (ou passe à dica 3: chuva).

8. Deixe os animais de estimação na casa de parentes/amigos que morarem fora do Sudeste. Eventualmente, faça o mesmo com filhos e com parentes já aposentados. Melhor transferir de escola do que morrer de sede. Se o seu trabalho possibilitar emigração, aproveite.

9. Ao longo do dia, cuspa em uma garrafa PET. Reserve. Repita o procedimento para urina. Quando estiver com sede, pegue a garrafa. Não beba. Apenas contemple até perder a sede.

10. Ensine o seu cachorro a farejar minas de água no chão (enquanto não o despacha para fora do Estado).

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11. Lembre-se: roupa suja NÃO se lava em casa. Roupa suja se lava no lago do Ibirapuera - ou em qualquer fonte pública com resquício de água.

12. Se nada der certo, pegue dengue (não será difícil, lavando roupa em fontes pela cidade) e se interne no hospital mais próximo. Convém checar antes se há água no hospital.

13. Beije mais na boca - mas nada de sexo, porque desidrata.

14. Se a sede for insuportável, salive bastante passeando diante de cantinas, churrascarias, confeitarias. Engula.

15. Em casa, cozinhe usando água do mar. A comida já sai temperada. Além do sal, você pode ser premiado com algas. Diga que é moda. No Japão.

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16. Gamefique a falta d'água. Ligue para a comissão do Guinness Book e diga que baterá o recorde mundial de privação de água. Monte um reality show de sucesso.

17. Roube água de piscinas, enquanto piscinas houver. Dê preferência para condomínios da região do Palácio dos Bandeirantes.

18. Colete água da chuva e despeje em um reservatório. Faça uma surpresa romântica para o seu amor e convide-o para um banho de jacuzzi-de-chuva. Sustentável, romântico e molhado.

19. Não dê descarga. Faça suas necessidades em baldes e depois enterre o esgoto. Como opção, despache para o Palácio mais próximo, de qualquer nível de governo.

20. Convoque uma manifestação. Inicie um tumulto (se necessário) e espere pelos jatos d'água da polícia. Leve sabão e xampu. Alerta: possibilidade de hematomas e ferimentos diversos.

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*Alternativamente, nunca mais vote em nenhum governante que esteja no poder. «

 

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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