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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Será que as mães estão em extinção?

O que muda para elas na era do celular, do What'sApp, do GPS e do cartão de crédito?

Foto do author  Renato Essenfelder
Atualização:

arte: loro verz

»Será que as mães estão em extinção?

Bobagem, claro, enquanto houver filho haverá mãe, ou até que a ciência nos separe. Enquanto houver espécie humana.

Devaneio.

Uma menina e sua mãe andam pelo shopping. A mãe encontra uma amiga e resolvem parar para um café com fofoca.

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- Quanto tempo?

- Pois é, quanto tempo.

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A mariazinha, garota muito magra, cabelos escuros trançados sem presilhas, do alto de seus dez ou onze anos de idade, logo se entedia.

- Manhê, tá chato. Posso dar uma volta?

A mãe nem olha para a pequena antes de responder que pode, mas que fique atenta ao celular, e tome meu cartão. Mais não diz, entretida já, a esta altura, com os infortúnios de uma amiga em comum, também em processo de divórcio.

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Dois capuccinos.

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Acompanho com os olhos mariazinha sumindo no meio da multidão de véspera de Dia das Mães, com as duas mãos segurando o telefone, em prece. Flerta desavergonhadamente com as vitrines, em especial as de doces. Não parece capturada, ainda, pelos mistérios da moda, com seu vestidinho branco de bolinhas azuis. Às vezes mira muito sorrateiramente a mãe, à porta do café, que já fala bem alto.

Passam trinta minutos, passa uma hora. A mãe, já no segundo café, já no bolinho de chocolate,olha de vez em quando o celular, distraidamente, e só. Nada de coração na boca, de ataques repentinos de pânico. A filha está segura, confia, e posso cuidar da minha própria vida.

Eu me preocupo, mas à toa. A menina volta, enfim. Está tudo bem, até mais do que bem: sorri lambendo um imenso sorvete de chocolate recém-comprado. Devolve à mãe o cartão do banco.

As amigas se despedem e, sorridente, a pequena família segue sem grilos.

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As mães são outras, penso, na era do plástico, dos telefones celulares, cartões pré-pagos, GPS e aplicativos. Na era dos divórcios, terapias, hedonismo. São outras, muito outras.

Mas, na saída do shopping, a mãe veste na filha o casaquinho.«

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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