arte: loro verz
»Nada provoca tanta infelicidade quanto a felicidade. É um desses paradoxos da vida, ou, antes, um sinal da desmedida do ser humano, bicho para quem o mundo não é o bastante.
Todos os grandes filósofos falaram sobre a felicidade. Gregos e troianos, franceses, ingleses e alemães. Brasileiros, claro. Também arrisco meu palpite.
Felicidade é expandir a vida. Continuamente. Eis o que descobri: felicidade é alargamento de horizontes, extensão de fronteiras para além dos limites primeiros.
Todo homem, toda mulher, nasce de um ventre apertado, um útero que vai se alargando pouco a pouco em quarto, depois em casa, em rua. A gente vai crescendo e tensionando aquele território inicial, o território materno, e se torna gente à medida que inclui outras gentes no nosso pequeno mundo: pai, irmãos, avós, toda a família, amigos, amores, contraparentes, colegas... Desconhecidos por quem nutrimos algum afeto misterioso: avatares virtuais, vozes silenciosas. Um completo estranho que sorri, no bar.
E quando viajamos, por prazer ou necessidade, o mundo da casa-escola e o da casa-trabalho se abre para hotéis, motéis, museus, parques, praças. E nesse processo vamos conhecendo e reconhecendo a felicidade. Fazer um novo amigo! Reencontrar um antigo, que já tinha abandonado nosso mundo - e como o mundo encolhe quando some um amigo -, e de novo expandir fronteiras para abraçá-lo. Cada vez que abrimos os braços, o mundo se expande. Cada vez que se expande, torna-se mais feliz, porque mais pleno, mais completo.
A felicidade é a expansão daquelas fronteiras pessoais e intransferíveis que nos concederam na certidão de nascimento, o alargamento dos limites particulares, da bolha em que viemos ao mundo. Os gregos estavam certos, o Homem é um animal político, um animal social, e só se completa em meio à matilha. Sorri quando o bando se multiplica.
Ao contrário, quando as fronteiras comprimem, quando o mundo encolhe e a bolha aperta, o ser humano, o que há de mais humano em nós, entristece. Por isso a tristeza dos lutos, dos avós que morrem, dos pais que morrem, dos amigos que se vão, dos amores que se vão, do jardim que encolhe, do retorno da viagem, do abandono do emprego - ainda que para outro que pareça muito melhor. Quando o mundo encolhe, o animal e seu bando encolhem. Retrai. Na bolha estreita, ele sufoca. No cercado apertado, ele definha.
A vida, como o coração, toca em sístole e diástole. Ela expande e comprime, comprime e expande. É inevitável, por isso, que o mundo encolha às vezes, que a gente se recolha e entristeça. É parte da vida. Imagine um coração que só bata para fora de si, expandindo infinitamente, até explodir o peito em chamas... Não. Mesmo o coração precisa encolher para expandir.
Assim é o Homem feliz, que segue em ritmo de valsa. Recua um passo, avança dois. Rodopia, avança um. Recua, avança mais. No fim da noite, atravessou o salão inteiro.
Encolher e entristecer, recuar e se proteger, é, também, movimento. E se a esse movimento sucede um avanço, expandir, reexpandir, oxigenar, mudar, ampliar, viajar, a soma é dança. O movimento mais triste amanhã vira dança.
Aí sim, ao cabo da vida, lembrar com doçura das fronteiras de antigamente: ventre, casa, escola, trabalho. Lembrar de todas as praças que incorporou, de todos os jardins de que cuidou.E, do ponto mais alto do seu território, verdadeiramente feliz, em plena felicidade, rever tudo aquilo que você teve o privilégio de tocar.«
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