arte: loro verz
»_Existem viagens e viagens. E tão variadas quanto as viagens são os viajantes: turistas de todos os tipos, em todos os cantos.
Vejo a gente apinhada nas rodoviárias, nos aeroportos, arrastando as malas para lá e para cá, e me pergunto: para quê?
Na semana passada, escrevi sobre as razões para viajar. Antes de saber o que se passa nos passaportes, ausculto corações; gente que viaja para descobrir, para esconder, para fugir, para namorar, para ser. Saber por que alguém viaja é tão importante, ou mais, do que saber para onde vai, embora em geral nos concentremos apenas nos destinos. Falei das viagens de compras e das viagens-de-likes, ou viagens curriculares, que geralmente formam um combo - oportunidades de adquirir coisas e de fazer inveja a amigos e colegas com maravilhosas fotos e fantásticos relatos em redes sociais.
Hoje penso no extremo oposto do consumo/ostentação: as viagens de reflexão. Às vezes são confundidas com uma espécie de turismo de fuga - locais paradisíacos do tipo Comer-Rezar-Amar viram ponto de peregrinação de milhões de donas e de donos de casa entediados, talvez traídos, ou de executivas/os aborrecidos, talvez demitidos, com o próprio aborrecimento que descobrem após acumularem o dinheiro e o status sonhados.
Mas as viagens meditativas não são uma fuga - são, antes disso, um encontro.
Viajar por viajar e viajar para pensar na vida, eis o luxo do turista contemplativo. Ele gosta de ver as maravilhas do Taj Mahal, é claro, mas gosta ainda mais de faze-lo sem pressa, reparando na textura dos sons da rua e do corpo, na cor dos cheiros ao redor, na temperatura das memórias que a paisagem desperta.
O turista meditativo não foge de nada, quer encontrar tudo. Em geral quer encontrar um novo sentido, ainda que provisório, para a vida. Mas pode estar apenas admirando o tudo ao seu redor para melhor admirar a paisagem dentro de si. Não para nega-la, portanto, não para fugir. Apenas para ver, saber e ter prazer naquilo que é.
O viajante meditativo sempre embarca sozinho, embora às vezes engate companhia na viagem. Não se afasta do mundo como um eremita de novela. Apenas não se preocupa se terá alguém na mesa, na praia, na cama, ou não. Consigo, está em boa companhia. Em boa companhia, está inteiramente.
A viagem meditativa é, pois, a mais paradoxal: radicalmente desnecessária, pois não é preciso atravessar o mundo para olhar para si, ela se revela crucial: quem nunca tentou nada parecido não conhece o mais fascinante e inexplorado de todos os continentes.
Nenhum homem é uma ilha, diz o ditado. O turista meditativo ri. Sabe que uma ilha é pouco. Sabe que há um universo inteiro dentro de si.«
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