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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|O bizarro mundo dos "seguidores" da internet

A cabeça de um "seguidor" profissional é, pra mim, um mistério; o que leva alguém a abrir mão da própria personalidade para reforçar o exército da celebridade x?

Foto do author  Renato Essenfelder
Atualização:
 Foto: Estadão

arte: loro verz

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»Acho que sempre tive bronca com a palavra . Desde adolescente, quando me perguntavam o que eu achava do Chico ou do Vinícius, eu congelava por um instante. Antes da popularização dos adjetivos-curinga, tipo daora, carecíamos de tempo para encontrar a palavra exata. No fim, despalavrado, eu dizia algo como: gosto muito. Ou: conheço a maioria das músicas de cor.

- E você? - eu devolvia.

- Eu sou.

- Ah, tá. Bacana.

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É, eu desanimava um pouco porque a expressão me soava muito estranha. O que, afinal, significava ser fã do Chico? Conhecer as músicas dele? OK, isso eu conhecia. Admirar a engenhosidade de um verso, a musicalidade de uma estrofe? OK, também o fazia. Lançar-se, curioso, à pesquisa biográfica, à leitura das suas peças de teatro (depois, dos romances)? Também o fiz. Mas nada disso era suficiente, para mim, para que declarasse sem titubear: sou fã do Chico.

É que a palavra para mim estava - e ainda está - associada a uma suspensão da minha própria personalidade, ao culto desmedido, à romântica e tenebrosa visão dos amantes que de tão apaixonados perdem a própria personalidade e se deixam tornar uma única massa amorfa e indivisível.

(Com a diferença de que o Chico, obviamente, não estava apaixonado por mim, nem por nenhum de seus "fãs" curitibanos.)

Com a internet, vi surgir uma nova palavra estranha, de sentido semelhante: seguidor. Agora, as pessoas não eram fãs, não eram amantes abrindo mão de pedaço do próprio coração para nele aninhar uma personalidade qualquer. Agora as pessoas eram seguidoras. Pior, pois.

O seguidor apenas segue.

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Enquanto o fã em alguma medida ainda cultiva traços próprios, ainda que entremeados pelo ídolo, tocados pelo ídolo, fala por si e fala de sua paixão. O seguidor, não. Mata e morre (apenas virtualmente, espero) em nome do outro.

Seguidor me remete a culto, a ordens religiosas. Sou um seguidor de fulano, assim como sou seguidor de Cristo. Por ele vou à guerra (ou ao matrimônio); me flagelo, me confesso.

O fã perde um pouco da individualidade ao se fundir ao ídolo, mas o seguidor, muito pior, perde a cabeça ao se incorporar apenas a outros seguidores de gozo similar.

A massa de seguidores segue, assim, desmioladamente, uns cristos virtuais, que de cristãos não têm nada - vaidosos e infantis que geralmente são. Cheios de pecados e sem nenhuma compaixão.«

 

Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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