» Se o Brasil é um país mágico e encantador, como afirma o melhor dos discursos ufanistas, seu encanto só pode ser um: a negação do tempo.
Deve ser por isso que quando toca "Que País é Este", canção de minha infância, lançada em disco em 1987 pela Legião Urbana, três gerações reconhecem perfeitamente o fogo de sua indignação. Minha filha, aliás, se recusa a acreditar que o disco seja de quase trinta anos atrás. É tão atual.
A música poderia, segundo sabe, ter sido composta por uma banda atual de rock. Houvesse ainda bandas como a Legião no Brasil.
O Brasil, ninho de contradições. Enquanto vira as costas aos velhos, cultiva as velharias. Enquanto deixa desmoronar o patrimônio histórico, renova velhacarias. É triste passar pela avenida Paulista e ver a sem-cerimônia com que os imponentes casarões de outrora dão lugar a escombros, estacionamentos e centros comerciais. Sou nostálgico. É o progresso, me dizem. Às vezes, engulo. Mas por que o progresso não chega ao Congresso, dinamitando velhas estruturas?
Se o Brasil é país de encantos, seu encanto maior parece ser um grande Dia da Marmota. Soube dessatradição no filme"Feitiço do Tempo", de 1993, em que um repórter de TV (Bill Murray) vai a uma pequena cidade produzir uma matéria sobre a celebração do Dia da Marmota (animal que seria, segundo a crendice, capaz de prever o clima da próxima estação).
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Cínico e desiludido como um brasileiro de 2015, o Murray de 1993 quer sair da província o mais rápido possível para voltar à sua rotina de confortos urbanos. Mas Murray fica inexplicavelmente preso no tempo, condenado a repetir eternamente os acontecimentos de um mesmo dia.
No filme, Murray não tem fuga. Não importa o que faça ao longo do dia que se repete, não importa nem mesmo se cometerá suicídio, enlouquecido pela eterna repetição. No dia seguinte tudo se dará da mesma forma: as mesmas falas das mesmas pessoas nos mesmos locais às mesmas horas.
O Brasil é uma marmota um pouco mais sofisticada, pois já aprendeu muita marmotagem em seus séculos de marmotices. Soube variar seus personagens, presidentes, senadores, deputados, empresários, policiais, oligarcas. O enredo, contudo, não varia. As discussões se repetem nas cartas, nos jornais, na internet.
O país do futuro não avança no tempo.«
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