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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|#FreeCoxinha: da diferença entre estupidez e salgadinhos

Virou moda xingar pessoas ignorantes, prepotentes ou insossas de "coxinha". A coisa pegou a tal ponto que já penso duas vezes antes de comer um desses salgadinhos. Mas atacar a coxinha é atacar o melhor do Brasil.

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Atualização:

O que fizemos de nossas coxinhas?

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O alegre salgado, presença indispensável em dez entre dez festas infantis, tão gorduroso quanto cobiçado, tão delicioso quanto estufante e pesado, apanha diariamente nas discussões sobre política, amor, futebol e astronomia.

De repente, tudo o que existe de ruim no mundo virou "coxinha". Os torcedores que xingam a presidente, os pobres ricaços que reclamam da dura vida nos camarotes superVIPs, os insossos, os Lucianos Hucks com seu bom-mocismo de shopping center, os intragáveis, os chatos, os caretas, os "reaças"; os pamonhas - outro salgado honesto, embora inferior à coxinha.

 

 Foto: Estadão

 

Se for absolutamente necessário transformar um alimento numa etiqueta para a ignorância, que seja a ricota, aquela coisa sem graça. O bolovo: uma bomba já desde o nome. Que seja: cocrete. Não coxinha. Jamais coxinha.

As pessoas ignorantes e dissimuladas, as pessoas que não admitem a diferença, não toleram a crítica e não se abrem à complexidade do mundo, estão entre as piores coisas do Brasil. Imensa força que nos puxa para trás. Pior: do mundo. Esse tipo de coxinha existe em qualquer parte do planeta.

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As coxinhas, ao contrário, estão entre as melhores coisas do Brasil. As coxinhas são democráticas: estão nos guardanapos de ricos e pobres. São genuinamente nacionais, sem serem nacionalistas. E são generosas: substituem refeições inteiras - quantas vezes você não atravessou o dia com uma ou duas coxinhas?

São também tolerantes à diferença. Já vi coxinha com recheio de calabresa, de carne, de pato (nem a onda gourmet matou o salgado). De chocolate. Já vi coxinha vegetariana. Coxinha sem recheio, só de massa, também vi. A coxinha é simpática, topa qualquer parada. Desde que bem imersa numa panela de óleo a 170 graus Celsius.

Você (ou o seu estômago) pode não ser muito tolerante com a coxinha, mas a coxinha, a bem da verdade, tolera você. Ela tolera tudo.

Ou quase tudo.

Parado diante da estufa, em meio a uma maravilha tipicamente paulistana, a megapadaria, eu hesito. Hesito, simplesmente. Os olhos cobiçam: coxinhas. Arredondadas e brilhantes, crocantes, deliciosas.

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No entanto, hesito. Por que tanta injustiça, pergunta meu coração, porém meus olhos não perguntam nada. Corpo e sentimento divididos. O salgado à frente, que desde sempre apreciei, parecia bom, muito bom. Mas quando me vinha à cabeça o nome, a palavra coxinha, o nariz torcia e retorcia.

O pensamento obscurece ao som da palavra. Imagina a coxa insossa do Luciano Huck e embrulha. A coxinha está perdendo a guerra.

Não quero viver num mundo sem coxinhas.

Precisamos voltar à razão. Salvem as coxinhas.

 

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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