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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|A adolescência agora vai até os 25 anos de idade

Estamos criando uma geração inteira de gente infantilizada?

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Atualização:
 Foto: Estadão

arte: loro verz

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» As crises de choro e raiva, o mimimi e a incapacidade de lidar com as próprias frustrações venceram. Psicólogos jogaram a toalha. Em vários países ao redor do mundo, a recomendação é clara. A adolescência não vai mais até os 18 anos, como outrora. A adolescência se estende, hoje, pelo menos até os 25 anos.

Vinte e cinco anos. Releio a notícia até me habituar ao som do numeral. Vinte e cinco.

A primeira reação é indignada: como assim pessoas de barba na cara, estudadas, no auge de seu vigor, podem ser adolescentes?

O que isso significa?

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A adolescência é a fase mais turbulenta da vida. A fase da modorra e do casulo, em que nos encerramos em nossos quartos como lagartas em profunda meditação, com a esperança de, se tudo der certo, sairmos de lá metamorfoseados em gente (às vezes, não dá).

Em gente adulta, claro. Gente que começa a perceber sua pegada pelo mundo e a se responsabilizar pelos próprios atos. Crescer, assim, tem menos a ver com saber o que se quer da vida, coisa que ninguém, em idade alguma, sabe muito bem, e mais a ver com assumir a bronca. A bronca toda, sabe? O pacote trágico. Abrir os olhos e constatar que a roupa não se lava sozinha, que a comida não se apronta gentilmente no prato, que oportunidades não batem à porta e que as contas continuarão chegando, mês após mês, pouco se lixando para sua crise existencial.

Constatar que ninguém lhe deve nada, que a natureza não tem ética nem bons modos, que "o futuro" é um capital volátil, que se converte em passado quase instantaneamente.

(E, ao fim do processo, acordar com a cara de seus pais.)

Adultescer é saber que o mundo segue e seguirá com ou sem você. Enquanto você chora, segue. Enquanto você ri, segue. Enquanto você trai ou é traído, enquanto você casa ou separa, enquanto você dorme ou trabalha, enquanto você vara noites no Face, madrugadas no YouTube, o mundo segue em frente.

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A dificuldade da adolescência é entrar nesse mundo e se despedir do anterior, o mundo da infância, quando tudo escorria devagar em longas horas de tédio e autocontemplação. Quando o mundo esperava por você gentilmente: você decidir a roupa, o humor, as ideias. Mundo-mãe, infinitamente paciente com as suas besteiras e caprichos.

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Era assim até os 18 anos. Então: estudar, trabalhar, sair de casa o mais rápido possível. Virar-se.

Mas agora somos adolescentes até os 25.

Se a primeira reação é de choque, a segunda é resignada: eu já sabia. Não há como dar aula sem saber. Não há como ligar a TV sem saber. Ver uma novela, comer um lanche, sem saber. Eles, adolescentões, estão em toda parte: cercados de gente que lhes bajula e protege, em bolhas, a salvo do sereno, da chuva, da selva. Com o peito estufado da certeza de serem especiais, de que o mundo se curvará ante a sua vontade, assim como fazem os pais. Com as salas abarrotadas de troféus de plástico e medalhas de participação, com os 30 diplomas de início de atividade interrompida - balé, natação, ginástica, piano, guitarra, judô, alpinismo. Tudo abandonado ao primeiro obstáculo.

Protegem-se tanto da vida que não a vivem, verdadeiramente, os adolescentões de 25. À espera do sucesso certo e iminente: um vídeo viral, um convite para a TV, um casamento dos sonhos. Sabem que são especiais, embora de especial não façam nada. Sua hora vai chegar, é certo. Está logo ali. Distraem-se enquanto a natureza, como sempre, assiste e ri.

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Às vezes tudo o que quero é pegar um adultescente pelo colarinho e sacudir.

Mas pra isso serve: a vida«

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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