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Reflexões sobre gênero, violência e sociedade

Ganhar menos não é o único problema das mulheres no mercado de trabalho

Por Nana Soares
Atualização:

Quando alguém quer calar uma feminista, a frase-feita mais comum de se ouvir é:"Mas as mulheres já votam e já trabalham, querem mais o quê?". Bom, queremos muitas coisas, porque a vida não se resume a dois itens. Mas mesmo que assim fosse, ainda teríamos muuuita coisa para melhorar, por mais que (para variar) tentem invisibilizar nossos problemas.

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Com frequência vemos pesquisas atestando que a mulher ainda ganha menos do que o homem pelo mesmo trabalho - e se for negra, a desigualdade é ainda maior. É uma informação que não surpreende mais, mas que nem por isso é normal. Só que a desigualdade salarial tem muitas causas e é apenas a ponta do iceberg dos problemas enfrentados pelas mulheres no mercado de trabalho - problemas estes que podem ser agravados se unidos à pobreza, cor, maternidade ou outros fatores.

Essa semana mesmo um caso ganhou repercussão: uma mulher demitiu a faxineira por ser mãe solteira. A justificativa era de que esse "tipo de gente" poderia dar um mau exemplo para seu filho. Um verdadeiro show de horrores e de preconceitos, mas que ilustra como nossa sociedade não facilita para as mulheres e como ser mãe é, na verdade, um desafio e não o conto de fadas que tentam nos empurrar goela abaixo. (Para saber mais, recomendo imensamente a leitura do blog de Rita Lisauskas aqui no Estadão)

Não sou mãe e nem quero ser, mas o simples fato de ter "potencial" para ser uma já fez gente me olhar com desconfiança. Na época, eu estava em um relacionamento longo e o raciocínio era o de que logo logo eu casaria (e teria filhos). E com os filhos vêm, além da licença-maternidade, uma funcionária "menos dedicada" porque tem que dividir seu tempo com uma criança. Isso explica porque mulheres recém-casadas e/ou com filhos pequenos têm muita dificuldade para se realocar no mercado de trabalho, que não consegue entender que a obrigação de educar as crianças é tanto do pai quanto da mãe. E ainda tem deputado que defende abertamente que a mulher ganhe menos por "trabalhar menos" e ser menos produtiva...

Os desafios que a maternidade traz para a vida profissional são muitos, mas a mulher que não tem filhos também está vulnerável no ambiente corporativo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 52% das mulheres vão sofrer assédio no trabalho. Embora tanto o assédio moral quanto o sexual não sejam exclusivos para nós, somos sem dúvida a maioria das vítimas. São chefes que aproveitam da hierarquia para fazer comentários maliciosos ou colocar a mão onde não deve, são colegas que fazem comentários machistas, que excluem a mulher ou que duvidam de nossa capacidade de realizar um trabalho simplesmente por causa do nosso gênero.

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Tudo isso sem contar que as áreas tradicionalmente femininas (como as ligadas ao cuidado) são muito menos reconhecidas e valorizadas do que aquelas entendidas como masculinas (historicamente as engenharias e profissões de tecnologia e exatas).

Nada disso é coincidência. Todos os fatores operam ao mesmo tempo e resultam no dado de que as mulheres ganham 74% do salário dos homens. Fazer do ambiente de trabalho um ambiente verdadeiramente igualitário e não discriminatório para as mulheres (brancas, negras, LBT, com filhos ou não) é uma tarefa complexa e que não cabe em medidas superficiais. Mas nem de longe é impossível. Como os anti-feministas adoram nos lembrar, já conquistamos muita coisa e não estamos nem perto de parar.

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