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Teretetês e conversês

Shower Time

Hora do Banho: entrada permitida somente para pessoas de bem e assuntos agradáveis.

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Por Lusa Silvestre
Atualização:

 

A gente passa a maior parte do tempo resolvendo o problema dos outros. Já repararam? Deixamos de fazer ginástica, de cortar o cabelo, de almoçar com os amigos - pra limpar a barra do chefe ou do cliente. Acaba sobrando pouco tempo pra gente, de verdade. Sobra o quê? Um cafezinho rápido antes de voltar pra masmorra? Um almoço de sexta para expurgar as pragas da semana? É pouco, e pra piorar ainda bate aquela culpa desgraçada por você ter pensado um instante na sua vida.

 

Mas alguma hora o sujeito tem que cuidar dele próprio. Senão dá brocotó. Aí o leitor pergunta: que horas que vou fazer isso? Quando que terei meu próprio horário nobre? É na hora do trânsito, momento em que não há muito o que fazer? É durante o sono, aquelas poucas horas entre a delação da noite e a prisão da manhã?

 

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Quando? Quando?

 

Bom, depois de passar anos trabalhando com o assunto, livrando a cara dos outros, eu tenho a solução. Prontos? Aí vai: hora do banho. Famosa Shower Time. É perfeito. Primeiro, porque tomar banho é algo que a pessoa faz todo dia (menos na Europa, cala-te boca). Mesmo o mais primata dos clientes entende a necessidade de um chuveiro. Segundo: das desculpas para não atender os outros, o banho é a única que continua entre as top five de todos os tempos. Traz privacidade, algo raro nos tempos de stalking contínuo. Também é uma delícia. Quando está calor, refresca. Quando está frio, esquenta. Se for ducha, massageia e descama. Se for elétrico, dá choque - e portanto ressuscita. Com sal grosso, tira mau olhado, inveja, quebranto, bruxedo e enguiço.

 

Alguns cuidados têm que ser tomados para potencializar a majestade do momento. Estou falando de um som tocando, ali, equilibrado na pia. Jack Johnson, pra citar um exemplo, limpa os ouvidos e desopila o fígado. Estou falando também de um incenso, de toalhas mais felpudas que o Chewbacca, de sabonete artesanal - mesmo quando o banho for solo. Aliás, outra coisa saudável para trazer sempre para o banho: companhia. Aí ducha pode desembestar para outra atividade, também muito bem vinda, nem sempre higiênica. Não tem problema; depois toma-se outro banho, ué.

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É a hora que o cérebro está ali, gostosinho, fresquinho, relaxado, maquinando soluções sensacionais para as topadas de dedinho da vida. Debaixo d'água, o banhista planeja férias, compõe canções, pensa no livro que está sendo degustado aos poucos. O box é uma catedral de blindex: entrada permitida somente para pessoas amorosas e reflexões agradáveis. Cliente grosso e chefe boçal não entram na Shower Time. Políticos - todos! - não entram na Shower Time (não na minha). Trabalho frustrante não entra na Shower Time. Amiga invejosa e questões ordinárias não entram na Shower Time. Pobre de quem é exilado desse instante e deixa de frequentar sua Shower Time - seja gente ou assunto. Para estes, sobrará apenas o infeliz consolo burocrático do horário comercial.

 

 

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