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Teretetês e conversês

O Marido De Regime

Ela desconfiou quando ele pediu suco de tomate.

Por Lusa Silvestre
Atualização:

 

Marido ia sempre pro Rio a trabalho. Dessa vez, foram cinco dias tomando caipi-tônica como se fosse Nespresso e comendo croquete até no café da manhã. Dava para ver o excesso de bagagem recém-conquistada pelos buracos do cinto. Se comesse mais uma azeitona, explodiria como a Dona Redonda da novela Saramandaia. Sentia-se inchado, decidiu maneirar. Pegar leve.

 

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Mas, na volta, a Esposa resolveu cozinhar pra ele - era um casal que ainda sentia saudades um do outro. E serviu vinho.

 

Começa o jantar, conversa vai e vem - e a Esposa percebeu que o Marido não estava tomando o vinho escolhido. Ela levantou a sobrancelha na mesma hora. Ele também não havia experimentado o risotto. Ligou o poder de dedução esquema Sherlock (o do Benedict), e perguntou na bucha, quase acusando:

 

- Você está de regime, é?

- Eu? Quem? Onde? Regime? Quem? Como é?

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Marido negou: não estava de regime; só estava cansado da viagem, e também tinha comido no voo, enfim, não era regime.

 

Aí chegou fim de semana, e eles foram almoçar na casa de amigos. Família baiana. Vá vendo. Dava para sentir o cheiro de coentro lá em Porto Alegre. Na mesa da sala, recebendo os convidados, bilhões de pães-de-festa imperdíveis - mas o Marido passou por eles sem dar tchum. Ignorou também os acarajés, empanturrando-se com baby carrots e patê light de ricota. Quando perguntaram o que queria beber, pediu suco de tomate.

 

Oi? Suco de tomate? Ela levantou a sobrancelha pela segunda vez. Ah, não: aquilo precisava ser esclarecido. O que estava acontecendo? Avisou, olho no olho: vou fazer o seu prato. Entrou na fila da comida e trouxe moquecas, abarás, vatapás, carurús, gente do céu, era toda obra de Jorge Amado ali, naquele prato.

 

Ela pôs o prato diante dele e ficou esperando. Braço cruzado. Ele começou a cutucar a comida com o garfo, que nem criança quando quer enrolar. Comeu só o recheio do abará. Do caruru, pegou os vegetais. Agora estava claro. A Esposa cutucou com o dedo, faiscando:

 

- Eu sabia: regime!

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E começou a perguntar, o dedo dando espetadas no tórax do Marido:

 

- Aprontou no Rio, é? Quer ficar melhor de sunga, é? Com quem você foi na praia, hein? Arrumou amante, é?

 

Acusado, amedrontado, o marido decidiu provar à amada que estava com a ficha limpa. Que ainda era o mesmo - fiel, amoroso, dedicado. Foi até a mesa e comeu e comeu e comeu. Repetiu o prato começando lá da entrada, pelos pães de festa, e depois passando por todo o Playcenter da gastronomia baiana. Tomou até licor de jaboticaba.

 

E assim se comportou até o final da vida. Em todos os dias que se seguiram, ele raspou o prato. Só fazia regime quando ia ao Rio.

 

 

 

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